domingo, 30 de janeiro de 2011

Os primeiros 30 dias

Dilma está dando à ideia de continuidade um conteúdo inesperado. Tudo que fez até agora mostra que, mantendo seu espírito, ela vai além da continuidade mecânica, em que as coisas ficam congeladas, imutáveis

Faz sentido avaliar o primeiro mês de um governo? É possível tirar alguma conclusão de apenas 30 dias de trabalho?

Pela nossa experiência, esse começo pode ou não ser relevante. Às vezes, nele já são perceptíveis as principais características que o governo terá. Em outras, as coisas mudam tanto pelo caminho que ninguém nem se lembra do início.

O balanço deste começo de governo Dilma é claramente positivo. Ela confirma o que se esperava que faria de bom e surpreende de maneira sempre favorável. Até seus desafetos ficam com dificuldade de criticá-la.

Todos tinham a expectativa de que seu governo fosse de continuidade, mesmo quem não a desejava. Havia sido esse o compromisso que ela e Lula assumiram antes e durante a campanha, e não honrá-lo depois da eleição seria uma quebra de palavra.

A permanência de vários ministros e a ausência de anúncios bombásticos de novas políticas nunca foram problemas para a presidenta e seu governo. Apesar da incompreensão de parte de nossa "grande imprensa", era isso que a opinião pública esperava que fizesse. Surpresa seria se ela se recusasse a continuar a trabalhar com seus antigos colegas de ministério e se achasse que era preciso começar do zero nas políticas de governo (algo que nem Serra faria se tivesse ganho).

Mas Dilma está dando à ideia de continuidade um conteúdo inesperado. Tudo que fez até agora mostra que, mantendo seu espírito, ela vai além da continuidade mecânica, em que as coisas ficam congeladas, imutáveis. Como se não pudessem ser melhoradas.

Veja-se o caso da educação, que andou na berlinda nas últimas semanas, em função das confusões do SiSU. Aparentemente, nela teríamos uma continuidade ortodoxa, pois permaneceu o ministro e foi mantida a política.

Mas o que vemos é que Dilma está fazendo, na educação, uma continuidade que se poderia chamar crítica. O ministro lá está, a política não mudou, mas, ao mesmo tempo, muita coisa ficou diferente.

Os problemas do SiSU não foram maiores que outros parecidos, na educação ou em outras áreas. Mas é possível que o MEC nunca tenha sido tão cobrado quanto neste mês de janeiro. A razão é que, no Planalto, estava alguém que não se satisfez com a explicação de que o ocorrido era "normal".

Esse tipo de continuidade tem alguns pré-requisitos. Em primeiro lugar, exige uma instância acima dos ministros capaz de acompanhar o que cada um faz, em base cotidiana. Em segundo, que esteja disposta a intervir celeremente, antes que os problemas aumentem. Em terceiro, que tenha autoridade e energia para consertar equívocos e demitir responsáveis.

Tudo isso aconteceu no MEC em apenas 30 dias, prazo no qual, no passado recente, nada teria acontecido, pois todos (presidente, ministro e equipe) estariam ainda "tomando pé das coisas". Ninguém cobraria de ninguém o que Dilma cobrou de Fernando Haddad e do ex-presidente do Inep (defenestrado por causa das antigas trapalhadas no Enem e das novas no SiSU).

No episódio, temos o lado bom da continuidade (pois o fato do ministro ter permanecido tornou mais fácil a solução) e um estilo próprio de levá-la a cabo. Dilma continua com parte da equipe e o estoque de programas que herdou de Lula, aprovados pela quase unanimidade do país. Mas os dirige à sua maneira, corrigindo rumos e trocando pessoas sempre que achar necessário (e vai achar mesmo, pois se mantém informada sobre aquilo que o governo faz).

Há quem se queixe de que Dilma está "confinada" no Planalto, que só se preocupa com reuniões internas, relatórios e em sabatinar auxiliares. Que é "séria demais" e que dá pouca atenção à imprensa e ao lado festivo da Presidência.

Nada disso é problema para a opinião pública. Quem votou nela não a imaginava igual a Lula no comportamento pessoal. Quem não, apenas quer que ela trabalhe.

São apenas 30 dias, mas marcaram um bom começo. Marcos Coimbra Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

3 comentários:

  1. É muito pouco tempo para se tirar conclusão sobre os primeiros 30 dias de trabalho.
    Mas, o mais incrível é que hoje li sobre Nísia Floresta e há 158 anos ela citava:

    “A esperança de que, nas gerações futuras do Brasil, ela [a mulher] assumirá a posição que lhe compete nos pode somente consolar de sua sorte presente.”

    Em “Opúsculo Humanitário”, 1853.

    Chegou a hora de mostrar ao País que temos competência, imagina como somos cobradas, por ser mulher mais ainda, mas competência não lhe falta.

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  2. Nylson Gomes da Silveira Filhosegunda-feira, 31 janeiro, 2011

    Prezada companheira presidenta Dilma Rousseff. Lí atordoado reportagem de hoje (31/01/11) no Estadão segundo a qual a diplomacia brasileira faria uma reavaliação do relacionamento com vários países, como os EUA, o Irã e regimes autoritários (sic). Pelo teor da notícia, baseado em documento reservado do Itamaraty ao qual o Estadão teve acesso (como?!!, quem vazou?!!)o chanceler Antonio Patriota fará uma "reavaliação da política externa do Brasil(sic)". Esta notícia merece 2 enfoques: primeiro, o Estadão parece que está pautando a política externa brasileira; segundo, é de tamanho absurdo que o governo precisa tomar alguma providência em desmentir isso. O chanceler Patriota tem fama de ser pró-norteamericano. Foi embaixador em Washington e é casado com uma americana. Estou e muitos outros estão desconfortáveis com esta situação (vide Paulo Henrique Amorim) e eu, particularmente, espero um desmentido cabal da presidência ou do Itamaraty para esta notícia descabida.

    Muito obrigado para a atenção que puder dar a este assunto.

    Nylson Gomes da Silveira Filho
    Universidade Federal de São Paulo
    Fundador do PT em 1980

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  3. Nylson Gomes,
    O Paulo Henrique Amorim está ironizando em seu texto, ele está dizendo que o Estadão está mentindo, inclusive pergunta: Como pode um corresponde do Estadão no Cairo, ter como fonte Antonio Patriota, que estava em Genebra?

    Dilma manterá as mesmas relações com os EUA e com os países mais pobres que o presidente Lula manteve. Lula também foi educado e cortês até com o ex-presidente Bush, mas nunca deixou de tomar o lado do Brasil e dos países mais pobres.

    Não se assuste. Você apenas esqueceu de uma regra: não se pode acreditar em muita coisa do que se lê no Estadão.

    Toda vez que vem esse tipo de notícia com "fontes do Planalto", "fontes do Itamaraty", duvide primeiro. Quando se trata do PIG, só dá para acreditar em palavras que a gente vê sair da boca da presidenta e dos ministros, e mesmo assim tem que tomar cuidado porque o PIG costuma cortar frases no meio, deturpando o que foi dito de fato quando a gente vê a entrevista ou discurso no todo.

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