quinta-feira, 30 de julho de 2009

Erundina fala da Candidatura de Ciro Gomes

Em entrevista ao Terra Magazine, a Deputada Luíza Erundina fala da possível candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo. Ciro e Erundina são do mesmo partido, do PSB.

Terra Magazine - A senhora nasceu em Uiraúna...
Luiza Erundina -
Em Uiraúna, na Paraíba. E cheguei em São Paulo em 1971; vim por razões políticas, por causa ditadura militar.

Como foi a chegada da senhora aqui?
Eu já tinha estado aqui para estudar, entre 1968 e 1969, fazendo mestrado em ciências sociais. Depois, voltei para lecionar na Universidade Federal da Paraíba. Só que, por restrições políticas e ideológicas, a universidade, por determinação do sistema de segurança da época, não me deixou entrar. Aí eu vim para cá em 21 de janeiro de 1971. Primeiro fui vereadora em 1982, depois eleita deputada estadual em 1986 e exerci os mandato até 1988, quando fui eleita prefeita. Portanto eu já estava em São Paulo há algum tempo.

Como a senhora, nordestina, foi se inserindo aqui em São Paulo?
Como assistente social, eu e outras colegas reativamos uma associação profissional de assistentes sociais que estava desativada havia 7 anos pela ditadura. Nós reativamos essa entidade de classe, e eu passei a militar na área sindical. Foi quando conhecemos o Lula, a luta dos trabalhadores por liberdade sindical.

Houve uma confluência...
Exatamente. Eu vim para militar, mas não era política partidária. Eu tinha uma militância política em razão da minha atividade profissional, fui dirigente sindical e trabalhei como funcionária pública. Eu era assistente social concursada da prefeitura de São Paulo. E foi nessa condição que eu passei a militar como presidente dessa associação profissional. Isso num momento em que a sociedade estava altamente mobilizada na luta de resistência à ditadura, por direito à liberdade de organização, de luta pela democracia.

A senhora sentiu algum tipo de preconceito por ser nordestina nessa época, desde sua chegada?
Logo no comecinho, para eu me inserir no mercado de trabalho, não foi fácil. Não só pelo fato de ser mulher; mais por ser nordestina. Sofri uma certa resistência, mas não foi a ponto de viabilizar minha atividade profissional ou minha participação aqui na cidade. Mas é evidente que eu concentrava em mim, e ainda concentro, vários aspectos que levaram a um processo de preconceito. Não só por eu ser nordestina, mas também por eu ser mulher, de esquerda, socialista, depois por pertencer ao PT... E pelo fato de, num período de restrições políticas, eu estar a frente de certos movimentos, de luta das mulheres por creche, por direito à moradia, saúde. Eu tinha uma militância ligada aos setores populares, de base. E isso tudo atraiu sobre mim muito preconceito. Eu diria que (isso se deveu) mais pela restrição ideológica propriamente dita. E também por ter disputado com os caciques da política paulistana o governo da cidade, isso para eles foi uma afronta.

Desde sua eleição, passaram-se mais de 20 anos. Como vê a questão do preconceito contra nordestinos em São Paulo hoje?
A maioria dos paulistanos que me elegeram mostrou uma certa abertura, uma certa tolerância, digamos assim. E a compreensão de que os nordestinos daqui também constroem a cidade. Eu sempre digo: talvez tivesse sido mais difícil eu ter sido eleita na capital do meu Estado ou na cidade em que nasci do que em São Paulo, apesar de toda essa complexidade da cultura paulistana, na tradição e cultura política da cidade.

São Paulo é sempre apontada como uma cidade muito conservadora....
Alguns segmentos sim. Mas é uma cidade cosmopolita. Não é (homogênea), muito pelo contrário: é multicultural, multiétnica, moderna ao mesmo tempo que é tradicional.... São Paulo tem um perfil muito próprio, e é isso que provavelmente explica o fato de eu ter sido candidata e ter me viabilizado eleitoralmente. Agora, isso não significa que não havia preconceito, naquela época mais do que hoje. E também tem o fato de que o cálculo eleitoral em 1988 não era favorável a mim. O PT na época tinha uma visão conservadora, do ponto de vista de achar que uma mulher nordestina, alguém de origem popular, pudesse disputar com chances de se eleger.

O próprio PT tinha essa visão?
Era (uma visão) dos dirigentes, não da base - inclusive o Lula e o Zé Dirceu. Eu venci uma prévia contra o Plínio de Arruda Sampaio (NR: hoje dirigente do PSOL), que é um homem paulista, de família tradicional de prestígio, uma liderança política que sofreu perseguição da ditadura. Com certeza ele tinha um perfil mais assimilável ao paulistano tradicional, ao conservadorismo que também existe aqui ainda. Na avaliação do PT e dos formadores de opinião da cidade, eu não tinha viabilidade nenhuma. Talvez tenha sido assim porque, em primeiro lugar, era um turno só. Como eu não era favorita... muito pelo contrário: cheguei na véspera da eleição em terceiro lugar, o Maluf estava praticamente eleito... Eu em terceiro lugar, pelo PT, naquela época, realmente foi uma zebra. Se eu tivesse demonstrado ao longo da campanha uma certa viabilidade nas pesquisas, provavelmente eu nem teria sido eleita, porque eles teriam, talvez, adotado métodos até extremos para evitar a minha eleição.

Apesar de ter nascido em Pindamonhagaba (SP), seu colega de partido, Ciro Gomes, construiu toda sua vida e trajetória política no Ceará; em São Paulo, é visto como um político do nordeste. Acredita que, caso seja lançado candidato, ele sofrerá preconceito por ser nordestino?
Acho que não. Primeiro porque ele é homem. Já foi candidato à presidência da República duas vezes, sendo muito bem votado. Tem uma história política no Ceará ligada a Jereissati (NR: dirigente do PSDB no Estado), é ligado aos grupos políticos do nordeste, já foi ministro... É outra coisa, não dá nem para comparar a Luiza Erundina de 20 anos atrás com Ciro Gomes hoje, embora ele tenha vivido a vida toda no nordeste. Isso não tem, a meu ver, nenhuma importância mais hoje aqui em São Paulo. É muito mais a conjugação de fatores políticos locais, estaduais e nacionais; a conjuntura que poderá ser favorável ou não à candidatura dele, não a origem.

Mas o eleitor paulista pode identificar Ciro como alguém que "caiu de paraquedas" e não conhece o Estado que irá governar...
Esse pode ser um argumento, mas não é qualquer eleitor que usaria. Os adversários vão usar isso. Ele é uma pessoa muito competente, com experiência administrativa, uma capacidade muito grande de debater. É um homem com um currículo político que o afirma em qualquer lugar que ele esteja nesse país.

A própria trajetória dele anularia um eventual preconceito?
Acho que é forçar muito a barra imaginar que Ciro Gomes iria sofrer preconceito aqui. A meu ver, na disputa eleitoral os candidatos que fizeram política a vida toda aqui vão usar disso para desqualificar a candidatura dele, mas não como fruto de preconceito - muito pelo contrário. Aqui tem um eleitorado nordestino muito grande. Essa diversidade cultural de São Paulo. Se há 20 anos (a diversidade) já era presente no jogo democrático, imagina hoje, com uma fluidez bem maior dos meios de comunicação, com a internet e outros meios multimídia. Eu não vejo como esse aspecto (ser um político nordestino) possa ter qualquer peso em relação a disputa eleitoral do Ciro aqui em São Paulo. É claro que os adversários podem usar desse argumento, mas não seria forte, muito menos determinante na decisão do eleitor. Não dá para comparar com a minha situação há 20 anos; nordestina, ninguém me conhecia, embora eu fosse professora universitária e deputada, muito vinculada à luta do povo e das mulheres, dos excluídos... Imagina? Isso sim era fator de desconfiança. Me achavam talvez sem preparo, ignorante...

Por outro lado, Ciro Gomes não teria, numa eventual candidatura, a inserção popular que a senhora chegou a ter antes de se eleger...
Mas veja bem: era positivo num segmento excluído da periferia de São Paulo. Eu acho que se a condição de nordestino dele é um apelo importante entre o povo nordestino de São Paulo, por outro lado ele é um homem de classe média, que transita bem nos meios intelectuais. Não é que eu não tenha isso hoje, mas há 20 anos eu não tinha, porque ninguém me conhecia e achava que eu era uma militante de base ignorante, pobretona, despreparada... Depois viram que não era isso. E esse não é absolutamente o caso do Ciro, pelo contrário.

Por ter um perfil mais diversificado, ele poderia atender a cada segmento da população paulista?
Claro. Ele é uma liderança política já testada, experiente, é homem, tem uma capacidade de comunicação muito grande. Eu acho que ele tem vantagens enormes em relação ao que eu enfrentei há 20 anos, e mesmo assim eu fui prefeita.

Sim...
Agora você há de convir que eu fui prefeita da capital, não do Estado. O interior de São Paulo é um pouco mais conservador. Ao se candidatar a governador, tem que levar em conta esse dado. Não que altere tanto minha análise, mas com certeza o peso do interior, que tem um eleitor mais conservador, é muito grande. Estou absolutamente segura de que esse não é um dado que vá dificultar ou o desempenho da candidatura dele. Falo da candidatura porque se as forças em torno dele se aliarem, provavelmente ele sairá candidato. Tudo indica que ele será o candidato dessas forças. O desempenho eleitoral dele pode ser muito mais favorável do que o meu há 20 anos, e ele tem muitas chances - por isso está tendo reação. Numa disputa em dois turnos, a presença dele no processo possivelmente irá garantir o segundo turno. Isso faz uma diferença enorme.

A senhora pretende entrar na disputa em 2010?
Não. Eu vou estar com a candidatura do meu partido. Imaginava que o Ciro pudesse ser candidato á presidência pelo PSB, mas se ele for mesmo candidato a governador também estaremos juntos.

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