sexta-feira, 7 de julho de 2017

Por que os protestos da direita desapareceram?



Muitas pessoas, principalmente as posicionadas no campo progressista, têm se perguntado por que as forças sociais que foram às ruas em 2015 e 2016 protestar contra a corrupção e, ao mesmo tempo, demandar o impeachment da presidenta Dilma Roussef – em lutas que, deliberadamente, semeavam a vinculação entre as duas questões – estão agora passivas, quando uma avalanche de irregularidades entre políticos e grandes empresários desaba diante da cidadania e envolve, entre outros, ninguém menos que o próprio presidente da República. Cadê o Movimento Brasil Livre (MBL), os Revoltados on Line e o Vem pra Rua, as principais lideranças organizadas da nova direita surgida na onda conjuntural que desaguou no golpe de Estado parlamentar?

A resposta a essa questão depende do entendimento de que tais “movimentos sociais” comungam um programa e uma ideologia liberais, de inclinação antiestatista, e reproduzem um comportamento motivado pela individualidade individualista, egoísta, não solidária. Essas “organizações” não são politicamente neutras, têm partido, representam interesses e valores da classe média tradicional e conservadora, especialmente seus estratos de renda mais alta, que ou têm uma práxis coerente com uma concepção bastante restritiva de democracia ou, em alguns casos, inclinada ao autoritarismo, inclusive ao fascismo. Aliás, não à toa, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) está posicionado em segundo lugar em pesquisas de intenção de voto para 2018.

A bandeira anticorrupção tem sido erguida pelos liberais brasileiros, especialmente em contextos de governos progressistas, que implementam políticas de enfrentamento da mecânica excludente e pró-dependência nacional provocada pelos mercados livres. Tais políticas de protagonismo do Estado são fundamentais para o esforço de realização do desenvolvimento includente, que visa combinar diversificação produtiva, industrialização e combate à desigualdade. A maior expressão desse esforço, a despeito das limitações de várias ordens, foram os governos de Lula e Dilma. Para se opor às políticas social-desenvolvimentistas, os liberais não pararam de atacar o governo Lula e foram às ruas contra o governo Dilma. Eles continuam almejando criminalizar o PT e que o ex-presidente Lula seja condenado e preso, para não participar das eleições de 2018.

Apesar do grande empresariado, com exceção da grande mídia, golpista de primeira hora, não ter aderido ao impeachment logo no início, as corporações e rentistas acabaram depois fechando questão a favor da deposição da presidenta e esse posicionamento foi o fiel da balança para a tramitação acelerada do impeachment casuístico no segundo quartil de 2016. Os recursos ideológicos e financeiros e o sinal verde para os protestos nas ruas vieram da grande burguesia, que hoje prioriza a governabilidade, e não a legitimidade do sistema político, afundada devido ao envolvimento profundo do presidente e de seu primeiro escalão em escândalos de corrupção. A bandeira da moralidade foi instrumentalizada para servir ao propósito maior que era se livrar do governo Dilma e abrir o caminho para o padrão de governabilidade requerido para a implementação das políticas ultraliberais em curso no país.

A nova direita não está nas ruas simplesmente pelo fato de que a maioria dos congressistas e o grande empresariado estão efetivamente preocupados apenas em garantir essa governabilidade neoliberal e salvar a própria pele, ou seja, aprovar as reformas trabalhista e previdenciária e frear a Lava Jato. O business precisa de estabilidade política. As outras medidas do programa ultraliberal já foram aprovadas (desnacionalização da exploração do pré-sal, emenda constitucional do teto de gastos e lei da terceirização). Sem financiamento e incentivo dos partidos e dos donos do dinheiro que apoiaram o golpe, esses pseudo-movimentos sociais não têm vida. A nova direita não tem mais motivação para ir às ruas contra a imoralidade, mesmo em um contexto em que, pela primeira vez na história do Brasil, o presidente da República é denunciado no STF por corrupção passiva, afora outros dois crimes que estão sendo investigados (obstrução da justiça e formação de organização criminosa). O chamado cansaço da nova direita é conversa fiada. Ela não está cansada. Sua passividade é tomada de posição.

No entanto, não apenas a passividade da nova direita das ruas está presente na conjuntura. A direita institucional, a começar pelos políticos da base governista, estruturada em torno do PMDB e do PSDB, esforçam-se para se livrar da Lava Jato e de outras investigações. Temer acaba de romper o costume iniciado por Lula de nomear como Procurador Geral da República o promotor mais votado na lista tríplice do Ministério Público Federal. Por outro lado, a Polícia Federal acaba de fazer mudanças em sua equipe na Operação Lava Jato, que deixará de contar com policiais exclusivamente dedicados a ela. Além disso, Aécio Neves foi rapidamente absolvido pela Comissão de Ética do Senado.

Em abril, a lista de Edson Fachin, ministro relator da Lava Jato no STF, autorizou a investigação de nada menos que 9 ministros do governo Temer, 29 senadores e 42 deputados federais, todos com foro privilegiado, afora outros nomes, incluindo governadores, prefeitos, ex-políticos etc. No final de junho, Temer foi denunciado e a autorização para que ele seja processado depende da Câmara dos Deputados. No momento, o caso está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator nomeado para o caso é o deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), tido como não tão alinhado ao governo. Os políticos da situação estão entre a cruz e a caldeirinha: aliar-se ao eleitorado, que rejeita o sistema político degenerado, ou “legislarem” em causa própria para se salvarem e garantirem a governabilidade ultraliberal, à custa da legitimidade hoje praticamente inexistente. Nesse contexto, tem aumentado a chance de haver uma separação, no seio dos próprios políticos e partidos governistas, entre o apoio a Temer e o apoio ao programa de reformas do governo. Ou seja, embora seja difícil e nada ainda esteja garantido, parece aumentar a chance de a Câmara autorizar a abertura de processo contra Temer, mas ao mesmo tempo manter seu apoio às reformas ultraliberais. O PSDB, por exemplo, parece caminhar nesse sentido. Mas, para essa separação avançar, falta a pressão popular contra Temer, que, no momento, só emana da esquerda e dos progressistas. A Globo continua na bandeira da corrupção, mas não tem incentivado a mobilização da nova direita, como fez desde a conjuntura de 2013 até o impeachment.

A situação nacional é muito confusa. Por um lado, no plano jurídico, há tendências institucionais no sentido da retomada do garantismo, expressas recentemente na decisão do TRF-4 de absolver João Vaccari Neto, que havia sido condenado por Sergio Moro, e na devolução do mandato de senador a Aécio Neves, que estava afastado do cargo representativo por liminar de Edson Fachin. O relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, optou por uma decisão fundada no garantismo. Mas ocorre que, até recentemente, as instituições jurídicas, principalmente em Curitiba e Brasília, estavam abrindo mão do garantismo em nome de um populismo jurídico que, segundo vários juristas, desrespeitava o devido processo legal, como ocorreu no caso dos grampos telefônicos que levaram o ministro Gilmar Mendes a suspender a posse do ex-presidente Lula, em março de 2016, como ministro-chefe da Casa Civil, conforme demandava o mandado de segurança do PSDB e do PPS. Como escreveu o professor espanhol José Maria Maravall, "quando o estado de direito se torna uma arma política, alguns dos seus princípios acabam por ser minados. Assim, o fim justifica os meios; os casos são selecionados por razões políticas; o ‘populismo judicial’ conduz a violações da presunção de inocência e de garantias legais; os casos duram vários anos e tornam-se inquisições gerais em busca de causas; os processos secretos tornam-se públicos. Uma rede de conivências desenvolve-se entre os juízes, os meios de comunicação social e os políticos".

Se o garantismo é necessário e bem-vindo, todo esse casuísmo é uma afronta ao Estado democrático de direito. E se o impeachment foi casuístico, a situação de Temer é muito diferente, é insustentável e se agrava a cada dia. Novas delações parecem estar por vir, como a da dupla de peso pesado, Eduardo Cunha e Lucio Funaro. É lamentável que os interesses políticos, econômicos e sociais das forças liberais atuem no sentido de desequilibrar a relação balanceada entre governabilidade e legitimidade no interior do sistema político. Isso gera apatia, sensação de “salve-se quem puder”, maquiavelismo vulgar, descrédito geral em relação às instituições republicanas. Ao sair das ruas e das varandas, onde fez panelaços em 2015 e 2016, a nova direita mostra estar comprometida com o Brasil excludente e dependente que os grandes capitalistas estão patrocinando. Democracia? Justiça? Corrupção? Igualdade? Desenvolvimento? Soberania Nacional? Que tudo isso se lixe! A aposta mais promissora é o resgate da reconstrução do curso democrático prejudicado pela desdemocratização. Diretas Já!

* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizou estágio de pós-doutorado na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e Economia

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