O governo encaminhou ontem ao Congresso um projeto de lei reduzindo os critérios de sigilo dos documentos oficiais - retirando o teor de secreto de qualquer documento que inclua violações aos Direitos Humanos - e estabelecendo punições aos servidores que descumprirem as novas regras. Também lançou o projeto Memórias Reveladas, estimulando que documentos oficiais, especialmente relativos ao período do governo militar, em posse de sindicatos e universidades sejam encaminhados aos arquivos públicos - nacionais ou estaduais. E vai ainda lançar um edital sugerindo a mesma ação para pessoas físicas que tenham documentos considerados importantes para desvendar a História do Brasil.
O lançamento do pacote de abertura dos arquivos foi feito no Palácio do Itamaraty, em uma cerimônia concorrida que contou com a presença do Presidente Lula, da chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff e do governador de São Paulo, José Serra. A presença dos dois pré-candidatos à presidência em 2010 mereceu uma menção explícita do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi. "Isto demonstra que, quando o assunto envolve questões de Estado, não importam os partidos. Até porque a alternância no poder é saudável para a democracia", afirmou Vannuchhi, provocando sorrisos dos candidatos.
Lula começou seu discurso afirmando que "aqueles que não têm conhecimento da própria história correm o risco de vê-la repetida". Declarou que as medidas tomadas ontem pelo governo têm com o objetivo fortalecer a democracia. "Até porque, em uma sociedade, quem precisa de proteção é o cidadão, não os entes públicos", acrescentou o presidente. Lula lembrou que a democracia brasileira é recente - apenas 24 anos (1985-2009) e, mesmo assim, é o mais longo processo democrático contínuo do Brasil.
A ministra Dilma , afirmou que 14 estados brasileiros já aderiram ao projeto Memória revelada: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, São Paulo, Goiás, Paraná, Maranhão, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio de Janeiro. "Além disso, serve como uma medida de modernização do estado, pois abre espaço para que a sociedade exerça pressão sobre os entes públicos", disse ela.
O governador de São Paulo, José Serra, lembrou que o primeiro a sinalizar a intenção de abrir os arquivos constantes no antigo DOPS - Departamento de Ordem Política e Social, conhecido órgão de repressão durante o regime militar - foi o tucano Franco Montoro, ao assumir o governo paulista em 1982. Mas afirma desconhecer as razões pelas quais os documentos foram transferidos para a Polícia Federal apenas retornando ao domínio do governo local na década de 90.
O próprio Serra doou ao arquivo nacional uma ficha elaborada sobre ele, citando as ações "subversivas e terroristas do tucano". Lembrou que no DOPS paulista - o principal deles - envolve 1,4 milhão de fichas e 10 milhões de páginas de documentos. Dentre elas, coisas curiosas, como uma ficha sobre João Paulo II, uma outra sobre Bertold Brecht - que nunca veio ao Brasil - uma sobre um cão pastor alemão que atuava em novelas. "Zelar por este acervo é preservar a memória e a história do nosso país", disse o governador.
Na entrevista, ele defendeu que os arquivos do Itamaraty relativos aos anos de governo militar também fossem disponibilizados. "O Ministério das Relações Exteriores tinha muitas informações sobre os brasileiros exilados em outros países", disse ele. Serra se exilou no Chile, onde virou professor universitário. Ele estava em Santiago na época da derrubada do governo de Salvador Allende e até hoje admite não saber como escapou com vida após ficar detido, junto com outros militantes de esquerda, no Estádio Nacional.
O projeto que será enviado ao Congresso estabelece que só podem ser considerados sigilosos os documentos que ponham em risco: a defesa, a soberania ou a integridade do território nacional; a condução de negociações ou relações internacionais; a vida, segurança ou saúde da população; a estabilidade financeira, econômica ou monetária do país; os planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; a segurança de instituições ou autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; as atividades de inteligência, investigação ou fiscalização e o sigilo das informações fornecidas por Estados estrangeiros.
O projeto reduz os prazos e os tipos de classificação. Na legislação anterior, aprovada em 2005, os documentos ultra-secretos tinham um prazo máximo de 30 anos, prorrogáveis um vez ou por comissão interministerial, em casos de ameaça à soberania, integridade territorial ou relações internacional; os documentos secretos poderão ter esta classificação por um máximo de 20 anos, prorrogáveis uma vez. Os classificados como confidenciais poderiam ter esta tarja por no máximo 10 anos (por outros dez, se necessários); e reservados, por cinco anos.
Pelo novo texto, desaparece a classificação de confidencial. O ultra-secreto passa a valer por 25 anos, prorrogáveis apenas pela comissão interministerial; secreto por 15 anos e reservados por cinco anos. Além disso, quanto mais confidencial for o documento, maior a necessidade de o "carimbo" ser dado por uma alta autoridade.
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