quinta-feira, 21 de abril de 2011

Para Gilberto Carvalho, movimentos sociais amadureceram mais do que partidos

Responsável por estabelecer a proximidade do governo de Dilma Rousseff com os movimentos sociais, o ministro Gilberto Carvalho, chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, disse os movimentos sociais acabam compreendendo mais as demandas do país, do que os próprios partidos políticos. Para o ministro, os movimentos amadureceram no Brasil nas últimas décadas e, ao contrário dos partidos políticos, investiram da formação de seus quadros. Carvalho defendeu a necessidade de uma reforma eleitoral no Brasil e apontou o voto em lista e o financiamento público de campanha como forma de mudar a atual realidade, que na sua avaliação induz à corrupção.

Confira mais um trecho da entrevista de Gilberto Carvalho à Agência Brasil.

O governo tem limitações para atender as demandas do movimento social por questões orçamentárias. Como administrar esse conflito?

Gilberto Carvalho - É difícil ter uma resposta concisa para essa questão. Sempre digo para o pessoal do movimento social que, nesse conceito de o governo ter uma limitação e o movimento social ter uma demanda sem fim, porque nós temos uma demanda social reprimida no Brasil, histórica, imensa que não se vai conseguir responder nem em quatro nem em 12 anos. Essa tensão é inevitável. Eu brinco com eles dizendo que nós estamos sentados agora nesse lado da mesa, antes estávamos no outro lado com eles, o que faz de todos nós, oriundos do movimento social esperamos de novo estar sentados do outro lado. Nosso destino é voltar para os movimentos sociais. Nosso papel aqui é tentar forçar a barra ao máximo dentro das limitações orçamentárias e institucionais para atender essas demandas. Quando se faz o Orçamento é preciso levar em conta esses aspectos. Aí que está o jogo de governar, que é passar em grande parte pela sua filosofia, e por aquilo que se estabelece como prioridade.

E qual é a prioridade do governo?

Carvalho - Quando a presidenta escolhe como prioridade a superação da miséria ela está dando um indicativo de que parte importante do Orçamento irá para esse destino. Isso, do ponto de vista ético, para nós todos que temos uma história política é muito confortável. É também muito estimulante participar de um governo que estabelece essa prioridade. Há que se pensar em reproduzir, em espelhar no Orçamento essa opção. É claro que o Orçamento não é infinito e há gastos correntes que não se pode deixar de pagar. Mas tem que se reservar de fato um quinhão importante para isso. Isso não significa que vamos atender todas as demandas, mas significa que muitas das demandas podem ser atendidas e, com isso, estabelecer pelo menos um compromisso, uma percepção da parte do movimento de que o governo tem a famosa vontade política de contribuir.

O senhor já observou essa compreensão?

Carvalho - O movimento amadureceu muito. Eu fiquei emocionado esses dias quando o pessoal da Fetraf [Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar] veio trazer uma pauta para a gente. O discurso da Elisângela [Elisângela Araújo, presidenta da Fetraf], companheira que hoje representa a Fetraf, que é um dos movimentos do campo de maior expressão. É um discurso que deixa emocionado de ver a maturidade. Eles não vieram reivindicar apenas terra, conforto nos assentamentos. São pautas muito mais amplas que dizem respeito, por exemplo, ao direito da mulher, à questão da criança, diz respeito fortemente à questão ambiental. Enfim, a cidadania foi apropriada em grande parte, de forma muito intensa pelo movimento social. Isso é o resultado desse novo processo que a gente vive no Brasil, de amadurecimento dos movimentos. Acho isso muito bom. Isso facilita o diálogo. Eles passam a compreender também melhor.

Em que outros momentos o senhor conseguiu enxergar esse amadurecimento?

Carvalho - A conversar que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) teve com a presidenta foi extraordinária. Eles vieram discutir como que eles podem ajudar no programa de alfabetização e no programa de reflorestamento do país, coisa que há 20 anos, a gente que é de movimento sabe que não era assim.

O senhor diria que os movimentos se tornaram, por excelência, fóruns importantes de discussão dos mais variados assuntos ligados à cidadania?

Carvalho - Os movimentos fizeram uma coisa que os partidos não fazem. Eles qualificaram e seguem qualificando seus quadros. O MST tem uma escola que já funciona há muito tempo. Eles tomaram esse cuidado. A própria militância é um grande ensino. O velho método do bom Paulo Freire diz que se reflete a prática. Cada luta que se trava, se amadurece na cabeça. Os movimentos se tornaram verdadeiras escolas de cidadania. Ao se falar hoje em consciência ambiental, por exemplo, podemos considerar que se Juscelino fosse construir Brasília hoje, não construiria porque o pessoal não iria deixar passar máquina nesse cerrado. É um amadurecimento benéfico do conjunto da sociedade.

O senhor comparou os movimentos sociais com os partidos. Fale um pouco mais sobre isso.

Carvalho - O que eu acho em relação aos partidos é que eles não cuidaram da formação de seus quadros da mesma forma que os movimentos fizeram. Isso é grave, mais do que grave, é gravíssimo. Nós temos uma estrutura política e eleitoral que é quase uma indução à perda de teor ideológico e político. Ela é uma indução, eu diria, até à corrupção, se nós falarmos da eleição. Qualquer cidadão hoje para ser candidato precisa de recursos para ser eleito. Onde é que ele busca esses recursos? Eu fui candidato em 1986 e ganhava três salários mínimos. Naquele tempo, a gente mantinha esquema de que dá para ser candidato com festinha, com lista entre amigos, com bingo, deitava e rolava de se trabalhar nessas coisas e se conseguia. Hoje não, a campanha ficou cara. Eu fico pensando que às vezes se joga a pessoa nesse meio sem que haja uma preparação.

Era diferente em outros tempos?Carvalho - Eu tenho a impressão que o enfrentamento à ditadura e aos governos neoliberais nos deram teor ideológico e nos fizeram mais resistentes a essas chamadas, entre aspas, tentações. Acho muito perigoso pegar um jovem hoje e colocá-lo em um partido, sem que haja uma preparação, o risco de ser cooptado por essa mentalidade é enorme. Não adianta a gente, hipocritamente, ficar condenando uma pessoa dessa se a gente não a preparou.

O senhor acha então que os movimentos conseguem compreender melhor as demandas do país que os partidos?

Carvalho - Não quero fazer aqui uma dicotomia simplista. Tem muita gente nos partidos que tem essa visão generosa. Graças a Deus, temos ótimas referências. Mas em termos de tendência é exatamente isso. Os militantes dos movimentos são levados a uma visão mais generosa, porque é uma visão mais coletiva, nos movimentos, não se é induzido a uma carreira mais pessoal. A questão do poder não visualizada de uma maneira tão pessoal. Nesse sentido sim, dá para dizer que hoje os movimentos são laboratórios de gente de maior generosidade, de maior ação cidadã, no sentido mais amplo, do que nos partidos. Dadas as regras atuais.

O que é preciso fazer para mudar isso?

Carvalho - Pode ser diferente. Se, por exemplo, na reforma política a gente fizer um processo de eleição por lista e com financiamento público, vai se fazer uma indução ao contrário, uma indução ao coletivo. O sujeito para ser candidato terá que ter militância em partidos sérios. Em partidos picaretas, haverá pessoas que vão comprar lugar na lista também, não vamos ser anjos aqui, mas pelo menos, permite aos partidos que são sérios, trabalharem internamente de tal maneira que o sujeito para ter o lugar dele na lista vai ter que trabalhar na militância, vai ter que ter base. Na regra atual, cada vez mais se vai induzindo para ser eleito os que têm mais alcance de mobilização financeira, o que é muito grave.

O senhor acredita que o financiamento público de campanha seria o antídoto contra práticas como o caixa-dois?

Carvalho - É o antídoto. Não vamos ser ingênuos, pois sempre pode se ter abuso, mas pode também se ter uma fiscalização muito mais fácil. Primeiro, a pessoa não vai fazer campanha para ele e sim para a chapa dele. Isso já muda completamente a lógica. Se o teu partido tiver mais votos, você terá mais chances de ser eleito, portanto você vai fazer campanha pelo seu partido e o financiamento será coletivo também e não individualizado. Eu acho isso muito importante para dar um choque na atual mentalidade. (Da Agência Brasil)

Um comentário:

  1. Ha vários anos sou simpatizante do PT, faço campanha de rua e partiipo de muitas atividades. E durante todo esse tempo, venho batendo na mesma tecla: a necessidade de fazer cursos de politização contínuos, de marxismo, de informação mesmo, porque sabemos que a vontade de apoiar o partido e mesmo de militar não significa, como disse o Gilberto Carvzalo, que se esteja realmente preparado. Por isso certa volubilidade de posições, qualquer problema criado contra o partido, acredita-se em tudo, não se investgiga e, saindo do partido, adota-se a mesma linguagem da direita. É a falta de ambasamnto político-ideológico e o PT, infelizmente, peca nesse sentido igual como a maioria dos partidos de esquerda. Não é ter discursos bonitos mas vazios, como os que se dizem da extrema esquerda, e que de tanto ir para a esquerda, como a Terra é redonda, acabam se encontrando com a direita, é ensinar mesmo, fazer refletir e analisar o momento histórico.
    É só uma sugestão, sem querer ser pretenciosa.

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