Pelo SUS, 76% dos partos são realizados sem anestesia em São Paulo
Documento conseguido pelo UOL Notícias aponta falhas graves no atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo. De acordo com a reportagem do portal, 76% dos partos realizados no estado são feitos sem anestesia. A pesquisa, realizada pela Secretaria Estadual de Saúde do estado e mantida em segredo por três meses mostra também que pelo menos 30% dos pacientes demoraram até seis meses para fazer um procedimento de alta complexidade, como quimioterapia, hemodiálise ou cateterismo.
Mantida em sigilo da opinião pública há três meses, uma pesquisa realizada pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo com os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) aponta problemas crônicos no atendimento aos pacientes nos hospitais paulistas, carências que fazem a espera por exames chegar a até seis meses, por exemplo, falhas nos procedimentos de parto e falta de vacinas em pontos de atendimento, para o estranhamento da própria secretaria.
Chamado “Pesquisa de Satisfação dos Usuários do SUS-SP”, o relatório obtido com exclusividade pelo UOL Notícias foi produzido com base em 350 mil respostas obtidas após o envio de cartas (veja abaixo) ou em telefonemas aos cidadãos atendidos nas mais de 630 unidades que funcionam com recursos do SUS.
Espera por procedimentos chega a seis meses; gestantes não recebem anestesia
Entre os dados tabulados, destacam-se estatísticas alarmantes, como indicam especialistas ouvidos pelo UOL Notícias. Cerca de 30% dos entrevistados afirmaram, por exemplo, que demoraram até seis meses para fazer um procedimento de alta complexidade, como quimioterapia, hemodiálise ou cateterismo. Tais procedimentos, no caso de um paciente com razoável situação financeira, são feitos em instituições particulares imediatamente ou em poucos dias, com possibilidade de agendamento.
Outra conclusão do levantamento aponta que apenas 24% das grávidas que enfrentaram o trabalho de parto pelo SUS receberam anestesia raquidiana ou peridural, procedimentos que aliviam o sofrimento e que são considerados padrão às pacientes. A pesquisa mostra ainda que 14% tiveram seus filhos tomando apenas um “banho morno” para aliviar a dor (o levantamento não especifica o tipo de parto, natural ou cesárea). Veja a seguir a conclusão do relatório, de que há falhas nesse quesito:
Falta de vacina contradiz registros oficiais
A vacinação foi outro destaque negativo marcante na pesquisa. Cerca de 30% dos pais relataram falta de vacinas na unidade, “sempre”. Como alerta o próprio diagnóstico oficial, “esta resposta foi surpreendente, uma vez que no período da pesquisa não há registro de falta ou redução no estoque de vacinas do sistema público”.
Além disso, como mostram os dados tabulados pelo governo, 18,9% dos pais disseram que seus filhos não tomaram nenhuma vacina ao nascer, indo contra as normas do Programa de Imunização do Estado de São Paulo, que prevê pelo menos a oferta de vacinas contra a tuberculose. Como indica o levantamento, “trata-se de perda de oportunidade e falha no programa, demonstrando necessidade de reorientar e avaliar as maternidades”.
"Quadro é grave"
O UOL Notícias ouviu seis especialistas com experiência em atendimento médico e na análise da gestão pública da saúde para comentar os dados, a que somente tiveram acesso por meio desta reportagem. Todos foram unânimes em afirmar que o quadro é “grave”, apesar de alguns terem pedido para não serem identificados.
Paulo Eduardo Elias, professor de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirma que os dados apenas confirmam que o sistema de saúde em São Paulo não dá a atenção devida aos pacientes. “Como mostram as informações sobre os procedimentos de parto, fica claro que o governo deixa as pessoas terem dor. É um problema grave. Não se importa muito com isso”, argumenta.
Para Álvaro Escrivão Júnior, professor e especialista em gestão hospitalar da Fundação Getúlio Vargas, a pesquisa revela a falta de recursos para o setor. “Quando se tem um sistema universal, que atende a todos, precisa ter dinheiro para manter o funcionamento do sistema. A pessoa precisa fazer exames imediatamente, não depois de seis meses”, diz.
Transparência
As falhas observadas pela pesquisa no atendimento do sistema de saúde de São Paulo, no entanto, não chamam tanto a atenção dos acadêmicos quanto a tentativa de esconder o levantamento da opinião pública.
A reportagem do UOL Notícias, em ligações telefônicas praticamente semanais, cobra a divulgação do relatório desde o começo de março. Na ocasião, o governo promoveu um evento em que premiou os melhores hospitais do Estado, segundo conclusões tiradas desta mesma pesquisa. No entanto, não divulgou quais seriam os piores estabelecimentos.
No primeiro contato com a Secretaria da Saúde de São Paulo, no dia 4 de março, a reportagem solicitou a íntegra do levantamento. O pedido foi ignorado. Pelo menos cinco recados em nome do UOL Notícias foram deixados a um dos chefes da assessoria de imprensa da secretaria, Vanderlei França. Nunca houve retorno. Além disso, a reportagem tentou conseguir o relatório com pelo menos cinco membros do Conselho Estadual de Saúde, órgão consultivo da secretaria que, em tese, deveria ser informado de tudo o que acontece no sistema de saúde estadual.
Até a sexta-feira (18), alguns conselheiros relataram não ter conseguido acesso aos dados. Tomás Patrício Smith-Howard, representante da Associação Paulista de Medicina, chegou inclusive a protocolar um pedido formal tentando obter as informações. Já esperava havia mais de dois meses. “Temos total interesse em saber o conteúdo da pesquisa, inclusive para conseguirmos analisar o sistema de saúde. Essa é a nossa função”, diz ele, que ficou sabendo do resultado do levantamento via UOL Notícias.
O documento só foi obtido pela reportagem com base em uma solicitação feita oficialmente pelo deputado Fausto Figueira (PT), presidente da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa.
Pouco antes do fechamento desta reportagem, a secretaria incluiu os dados no site oficial do governo, apenas às 20h, sem aviso. Em resposta oficial enviada dias antes ao UOL Notícias e assinada pelo secretário Luiz Roberto Barradas Barata, a própria secretaria afirmava:
Claudio Weber Abramo, presidente da Transparência Brasil, classificou a situação como “trágica”. Segundo ele, é um “absurdo” uma pesquisa financiada com dinheiro público não ser divulgada. “É típico de São Paulo. Os recursos neste Estado são incompatíveis com a obscuridade do governo.”
Esclarecimento
A Secretaria Estadual de Saúde, após a publicação da reportagem, divulgou uma nota de esclarecimento nesta segunda-feira (21) em que afirma que o relatório completo "foi disponibilizado na íntegra no site da Secretaria de Estado da Saúde e está à disposição dos usuários SUS de toda a população de São Paulo para conferência e análise desde 11 de março de 2010."
Esta afirmação contraria o posicionamento da própria assessoria de imprensa do órgão, que há três meses, mesmo solicitada, não enviou tal documento para a reportagem, nem divulgou que o relatório estaria no ar no site da pasta. Alguns integrantes do Conselho Estadual de Saúde, aliás, só tomaram conhecimento dos dados na última sexta-feira, informados pelo próprio UOL Notícias.
A nota diz ainda que "a anestesia (raqui ou peridual) nas costas é aplicada apenas em caso de partos cesarianos e em alguns poucos partos normais, quando indicado pelo médico assistente. Como a grande maioria dos partos realizados no SUS são normais foram aplicados procedimentos como anestesia local, analgésico e banho morno, massagem ou exercício, não sendo sempre necessária a utilização da anestesia peridural".
A secretaria não comenta o fato de o próprio relatório afirmar que é necessária uma revisão dos procedimentos nesse quesito, classificado como "bastante falho".
Com relação à citação na matéria de falta de vacinas nas unidades de saúde, a secretaria esclarece que, com base nos dados do relatório, está entrando em contato com os municípios responsáveis pelas unidades de vacinação para descobrir se o problema é pontual ou há falha de distribuição em algumas localidades. Não há, segundo o órgão, informações no SUS de problemas recorrentes na distribuição de vacinas no Estado de São Paulo.
Em relação à demora para a realização do exame/procedimento de alta complexidade, a nota diz que "o relatório aponta que 96,6% dos usuários receberam o procedimento e que 63,8% dos usuários demoraram de 24 horas a 20 dias para receber o procedimento, sendo que 21,2% foram atendidos em 24 horas". Nenhum desses dados foi citado no texto da reportagem, que apenas aponta que, como indicam as tabelas, 29,3% dos pacientes demoram até 6 meses para serem atendidos.
A pasta esclarece ainda que "o objetivo da Pesquisa de Satisfação do Usuário do SUS é justamente mapear as dificuldades do SUS paulista e trabalhar para corrigi-los. É desta forma que a Secretaria de Estado da Saúde, em parceria com as secretarias municipais, está atuando."
Leia a íntegra da nota de esclarecimento da Secretaria de Saúde de São Paulo.
É descabida e tendenciosa a afirmação do UOL Notícias que o relatório da Pesquisa Satisfação dos Usuários SUS/São Paulo é “secreta”. O relatório completo, assim que concluído, foi disponibilizado na íntegra no site da Secretaria de Estado da Saúde e está à disposição dos usuários SUS de toda a população de São Paulo para conferência e análise desde 11 de março de 2010.
A informação disponibilizada na capa do UOL com o título “Pelo SUS, 76% dos partos são sem anestesia em SP” mostra total desconhecimento em relação ao assunto, como aponta o próprio relatório. A pesquisa mostra que 100% das usuárias que responderam a questão 7, referente aos procedimentos para aliviar a dor durante o trabalho de parto, tiveram algum tipo de analgesia para aliviar a dor.
A anestesia (raqui ou peridual) nas costas é aplicada apenas em caso de partos cesarianos e em alguns poucos partos normais, quando indicado pelo médico assistente. Como a grande maioria dos partos realizados no SUS são normais foram aplicados procedimentos como anestesia local, analgésico e banho morno, massagem ou exercício, não sendo sempre necessária a utilização da anestesia peridural.
Vale ressaltar ainda que 87% das mulheres que responderam a pesquisa avaliaram o atendimento dos profissionais (médicos, enfermeiros e outros) como excelente ou bom.
Com relação a citação na matéria de falta de vacinas nas unidades de saúde, a Secretaria esclarece que, com base nos dados do relatório, está entrando em contato com os municípios, responsável pelas unidades de vacinação, para descobrir se o problema é pontual ou há falha de distribuição em algumas localidades. Não há informações no SUS de problemas recorrentes na distribuição de vacinas no Estado de São Paulo.
Em relação a demora para a realização do exame/procedimento de alta complexidade, o relatório aponta que 96,6% dos usuários receberam o procedimento. A matéria é totalmente tendenciosa, pois o documento mostra que 63,8% dos usuários demoraram de 24 horas a 20 dias para receber o procedimento, sendo que 21,2% foram atendidos em 24 horas. Apenas 6,8% dos usuários foram atendidos após seis meses.
É preciso esclarecer ainda que o objetivo da Pesquisa de Satisfação do Usuário do SUS é justamente mapear as dificuldades do SUS paulista e trabalhar para corrigi-los. É desta forma que a Secretaria de Estado da Saúde, em parceria com as secretarias municipais, está atuando Matéria de 21/06/2010. Aqui na UOL
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