Governo tenta adiar ida de Eduardo Jorge ao Congresso
JOSIAS DE SOUZA - São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Fernando Henrique Cardoso foi informado por auxiliares de que Eduardo Jorge Caldas Pereira, pivô da crise que atormenta o governo, caiu em depressão. Não está fora do país, como se imaginava. Encontra-se no Rio. Despachou os filhos para Brasília. Nas poucas conversas que mantém, oscila da profunda irritação ao choro convulsivo.
O governo deflagrou uma operação para adiar ao máximo seu depoimento a uma comissão de parlamentares. FHC tratou pessoalmente do assunto com o presidente do Congresso, Antonio Carlos Magalhães.
A Folha apurou que o próprio ACM apontou o adiamento como melhor caminho. Acha que, se depusesse agora, Eduardo Jorge teria de voltar ao Congresso depois do recesso. ACM e FHC acham o depoimento inevitável, mas querem evitar o desgaste duplo.
Medo do tropeço
O grande receio de Brasília é que Eduardo Jorge tropece nas palavras e acabe por complicar ainda mais a situação do governo. O presidente classificou de "estranho" o comportamento exibido pelo ex-auxiliar nas últimas semanas. Não consegue entender por que Eduardo Jorge, sempre tão discreto, deu para se expor.
FHC considerou um erro a compra de um apartamento em prédio badalado do Rio. Uma opinião compartilhada por auxiliares que integram o grupo que o tucanato gosta de chamar de "núcleo duro" do governo.
O presidente estranhou as entrevistas que Eduardo Jorge andou concedendo. Primeiro, saiu em defesa de Luiz Estevão, na Folha. Depois, no jornal "Valor", tentando justificar a troca de 117 telefonemas com o juiz Nicolau dos Santos Neto, acabou por enredar-se ainda mais no escândalo da obra superfaturada do TRT de São Paulo.
FHC classifica de "gratuitas" e "desnecessárias" as declarações de Eduardo Jorge; elas atraíram para o coração do governo uma crise que tinha como protagonistas o senador cassado Luiz Estevão e o ex-juiz fugitivo Nicolau.
FHC evita conversar diretamente com o ex-auxiliar. Mas interlocutores comuns falaram com Eduardo Jorge e com integrantes de sua família. Também os familiares espantam-se com a fragilidade emocional de Dudu, como costumam chamá-lo.
ACM e CPI
FHC se diz "perplexo" com o vulto que a crise assumiu. Repete à exaustão que, pessoalmente, nada fez de reprovável. Defende com unhas e dentes o ministro Martus Tavares, do Planejamento. Diz estar "convicto" de que também ele nada fez de errado. Assim, não restaria ao governo outra alternativa senão "esperar".
Sintomaticamente, FHC já evita pôr a mão no fogo por Eduardo Jorge, ex-secretário-geral da Presidência e ordenador de despesas de sua última campanha eleitoral. Ele não chega a lançar o ex-auxiliar aos leões. Mas não o defende com a mesma convicção com que socorre Martus Tavares.
Medindo as palavras, diz que ficará muito surpreso se restar comprovado que Eduardo Jorge, em quem confiou por 17 anos, envolveu-se em alguma "malandragem". E mais não arrisca.
Embora ache que não há muito a fazer além de esperar, o presidente não está de braços cruzados. Meteu-se com entusiasmo na articulação para abater em pleno vôo a idéia de pôr de pé uma nova CPI. Falou com ministros e parlamentares. Trocou mais de um telefonema com ACM.
ACM, aliás, era motivo de especial preocupação. O presidente enxergou nas entrelinhas de declarações do senador a diferentes jornais um tom belicoso. Sossegou depois de ouvir de ACM que, embora tivesse sido contatado por José Dirceu, presidente do PT, não engrossaria o coro pró-CPI. Tampouco apoiaria a idéia de interromper o recesso parlamentar.
FHC classificou de "maluquice" a entrevista em que José Dirceu e Luiz Inácio Lula da Silva defenderam a CPI. Os petistas usaram como gancho a revelação de que, junto com Martus Tavares, o próprio FHC assinara pedido de liberação de verbas para o prédio micado do TRT paulista.
O presidente enxergou "eleitoreirismo" na movimentação dos líderes do PT. Mas foi justamente a ação do PT que gerou a reação mais vigorosa do governo.
Pescaria
Acionados, seus aliados foram pescar nos arquivos do Congresso emendas assinadas por parlamentares, para carrear verbas para a obra do TRT. Encontrou-se uma emenda coletiva da bancada paulista, assinada por gente de todos os partidos, incluindo expoentes do PT, tais como José Genoino e Marta Suplicy.
Os parlamentares endossaram a emenda um ano depois de FHC ter assinado o documento que, para o PT, justificaria a abertura de uma CPI. A pescaria nos arquivos do Congresso renderia um peixe inesperado.
Encontrou-se uma emenda assinada por outro petista, o deputado João Coser (ES). Ele pedia R$ 18 milhões para mesma obra. O dinheiro sairia da verba de contingência, a mesma rubrica de onde foram extraídos os recursos mencionados no documento que levara a assinatura de FHC.
"É curioso que eles não enxerguem o próprio rabo", disse o presidente. Ele saboreou cada palavra de uma entrevista que Lula foi obrigado a conceder, na TV, ainda na noite de sexta-feira. O presidenciável do PT disse que, a exemplo de FHC, também os parlamentares do seu partido devem se explicar.
O presidente e seus auxiliares mais próximos acham que as fitas com diálogos de um desconhecido com o juiz Nicolau, divulgadas pela revista "IstoÉ", terão vida curta. O Planalto enxerga nas fitas as digitais de Luiz Estevão.
Um ministro disse a FHC que considerou um erro a divulgação de três comunicados oficiais. Na opinião do auxiliar, a imprensa usou os comunicados para espicaçar o governo, passando a impressão de que o presidente e seus ministros mudavam de versão ao sabor da evolução da crise. FHC discordou. "O governo levaria pau de qualquer jeito", disse. Se não tivesse divulgado as notas, os jornais tachariam o governo de omisso, acredita.Aqui para assinante
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