terça-feira, 15 de junho de 2010

Folha, 16 de julho de 2000. Dossiê contra Eduardo Jorge

"As entranhas do poder nunca são bonitas quando expostas", disse ex-assessor, sobre desconforto de estar exposto

Crise tira Eduardo Jorge dos bastidores

MARTA SALOMON
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Horas antes de pegar um avião e tentar ganhar distância do centro da crise que leva seu nome, o ex-ministro Eduardo Jorge Caldas Pereira não escondia o desconforto com tamanha exposição de um personagem que fez de tudo para viver na sombra.
Com um rápido comentário, ele tentou explicar esse desconforto, dividido nos últimos dez dias com o presidente Fernando Henrique Cardoso: "As entranhas do poder nunca são bonitas quando expostas".

E, de entranhas do poder, Eduardo Jorge entende como poucos. Resultado de 17 anos de convivência contínua e muito próxima com FHC, desde que a história do economista cearense de Baturité cruzou com a do sociólogo recém-chegado ao Senado. E principalmente da confiança "absoluta" que o presidente deposita ou pelo menos depositava nele até recentemente.

De sombra, Eduardo Jorge sempre gostou. Tudo menos um holofote, era seu lema. "Eu não existo, eu não falo, não dou declarações", costumava repetir nos tempos em que desfrutou, mais do que ninguém no governo, da proximidade com o presidente.
No terceiro andar do Palácio do Planalto, a cadeira do ex-secretário-geral ficava a poucos passos da cadeira do chefe.

Havia uma passagem direta entre os gabinetes de ambos, enquanto o ""segundo" de Fernando Henrique, Clóvis Carvalho (Casa Civil), tinha de descer um andar quando queria falar pessoalmente com um dos dois.

Dali, o acesso ao centro do poder não era apenas fácil. Com autorização do chefe, Eduardo Jorge construiu uma rede de informações que lhe daria acesso ilimitado a todos os assuntos importantes em discussão na República. De política a negócios.
Hoje, nenhum ministro desempenha mais tantas funções como Eduardo Jorge no governo. Seu antigo gabinete foi reformado, virou uma sala de reuniões.

Arquivo ambulante

O que ele sabe daria um livro? Daria, disse Eduardo Jorge mais de uma vez. Mas ele nunca pensou em escrevê-lo, pelo menos enquanto guardava a perspectiva de manter-se próximo do poder por muito tempo ainda. Não é de hoje que Eduardo Jorge acredita que detalhes do funcionamento do poder devem ser guardados em segredo.

Eduardo Jorge poderia descrever com minúcias desde a formulação do Plano Real, que acompanhou como assessor do Ministério da Fazenda, até os bastidores da campanha de reeleição de FHC, cujo comitê comandou depois de deixar oficialmente o governo, em abril de 1998.

Seus arquivos guardam detalhes de negociações da Constituinte de 1988 que jamais foram tornados públicos. No governo, ele continuou acompanhando de perto as negociações e os jogos de interesses de emendas constitucionais, medidas provisórias, projetos de lei. Gerenciava a pauta política de Brasília.

Mas o que definitivamente marcou a passagem de Eduardo Jorge pelo poder e o tornou um homem poderoso foi uma tarefa que FHC lhe delegou no Planalto desde 1995. Coube ao então secretário-geral da Presidência o controle das nomeações de cargos no governo e a administração dos pedidos de políticos.

Ainda hoje, ele sabe quem tem o quê no governo, quem manda onde, como pensa a maioria dos ocupantes de postos federais.

Apesar do comportamento fechado, quase antipático na visão de alguns políticos, Eduardo Jorge não desempenhava a tarefa como burocrata enfastiado com o avanço da fisiologia, mas como estrategista político. Ele imaginava dar as cartas num jogo pesado de interesses, sempre em nome de um interesse maior do chefe.

Por trás do preenchimento de postos de direção nos fundos de pensão, por exemplo, ele tinha consciência de que havia jogadas de bilhões em investimentos.

Telefone criptografado

Com os instrumentos que a tarefa lhe dava para investigar a vida de candidatos aos cargos, Eduardo Jorge passou a acumular muita informação. Informação e poder. Falar com ele era como falar com o presidente da República, que não hesitava em lhe delegar tarefas.

Eduardo Jorge gostava de investigar e cuidava da privacidade. Cercava-se de cuidados. Picotador de papel e telefone criptografado impediam o vazamento de informações.

FHC o tinha como funcionário público exemplar, fidelíssimo, e se divertia com o apelido de ""Homem-Interpol" do assessor no Planalto. Eduardo Jorge correspondia às demonstrações de prestígio crescente se dirigindo de maneira formal ao chefe, primeiro chamado de senador, depois de ministro e, desde 1995, de presidente.

A confiança não foi abalada nem mesmo quando o nome de Eduardo Jorge apareceu envolvido com a interferência prévia da construtora Norberto Odebrecht na edição de uma medida provisória de seu interesse, com o vazamento de uma lista de parlamentares devedores do Banco do Brasil que resistiam à proposta de reeleição, ou com a disputa pelo controle do fundo de pensão Real Grandeza, da estatal Furnas.

Sinais

Teoricamente, Eduardo Jorge só fazia o que o chefe mandava. Os primeiros sinais de que Eduardo Jorge poderia agir independentemente apareceram na política brasiliense.
Do Planalto, Eduardo Jorge fazia carga há tempos contra o governador petista Cristovam Buarque. A amizade com o senador cassado Luiz Estevão ganhava ares de uma aliança política. Decidido a barrar a reeleição de Buarque em 1998, Eduardo Jorge convenceu FHC a apoiar publicamente a candidatura de Joaquim Roriz, companheiro de chapa de Estevão.

Pelo menos dessa vez, FHC fez o que o assessor queria. Mas não reclamou. Foi alertado por Cristovam Buarque para os perigos que a proximidade entre Eduardo Jorge e Estevão poderia representar. O presidente desconsiderou o conselho e renovou a confiança no assessor.

Enquanto seguia as ponderações de um auto-intitulado gerenciador de crises, contratado depois de seu nome aparecer como destinatário de telefonemas do juiz Nicolau do Santos Neto -ex-presidente do TRT de São Paulo, hoje foragido-, Eduardo Jorge evitou pôr as mãos no fogo por Luiz Estevão publicamente.

Mas perdeu de vez o sossego quando manifestou preocupação com a cassação do amigo Luiz Estevão, há pouco mais de duas semanas. Naqueles dias, o homem conhecido por não honrar amizades já começava a espalhar que não arderia sozinho na fogueira pelo desvio de R$ 169 milhões da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo. FHC já não põe mais a mão no fogo pelo assessor.Aqui para assinate

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