segunda-feira, 17 de maio de 2010

Acordo com Irã foi fechado, diz chanceler turco


A libertação da professora universitária francesa Clotilde Reiss, que estava havia dez meses presa no Irã,também foi uma vitória do Presidente Lula e também foi até a maior concessão concreta de Teerã ao governo brasileiro, que desde ontem negocia diretamente com o regime dos aiatolás um acordo para a crise do programa nuclear do país. Clotilde foi condenada a dois anos de prisão por alegadas atividades antigovernamentais, em 2009. Sua pena foi transformada em uma multa de 230 mil. Ontem mesmo a professora voltou para a França.

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, do Senegal, Abdoulaye Wade, e da Síria, Bachar al Assad, mediaram a liberdade da professora, a pedido do colega francês Nicolas Sarkozy. Ontem, quando se encontrou com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, Lula disse que fora informado de que Clotilde estava a caminho da França. Ahmadinejad disse a Lula que a libertação fora um "presente do Irã ao Brasil".

Lula, há cerca de dois meses, intensificou os esforços diplomáticos para evitar a ampliação de sanções da ONU ao Irã, se o país não concordar em abrir seu programa nuclear aos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Nesse período, o chanceler Celso Amorim esteve em Moscou e na Turquia, que está articulada com o governo brasileiro. Na noite de ontem, ele continuava negociando, após Lula ter se recolhido ao hotel onde está hospedado.

O acordo com o Irã é a maior aposta diplomática do fim do governo Lula. Nesses oito anos, o Itamaraty manteve vários embates nos principais fóruns mundiais. Mas na medida em que cresceram o prestígio mundial de Lula e do Brasil, o país não pode contabilizar uma grande vitória neste cenário. Um acordo no Oriente Médio seria esta vitória. O Dia D é hoje, na reunião do Grupo dos 15, em Teerã.

Até a hora de ir deitar Lula estimulava a ideia de que poderia estar próximo de um acordo com o Irã. Antes de chegar a Teerã disse que tinha 99,9% de certeza de que o acordo seria firmado. Ontem, ao sair para jantar com Ahmadinejad, afirmou que seu otimismo aumentara de nível. Ao voltar para o hotel e ser questionado se havia novidades, o presidente limitou-se a dizer "ainda não", deixando no ar a hipótese de anunciar algo hoje pela manhã. Lula falou sozinho por 20 minutos com Ahmadinejad e por cerca de 45 minutos com o líder espiritual Ali Kamenei.

O ministro de Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, foi mais explícito. Segundo informou a agência de notícias Reuters, ele disse que o acordo entre Irã, Turquia e Brasil sobre a troca de combustíveis nucleares foi alcançado, após "quase 18 horas de negociações". Segundo ele, o anúncio oficial pode ser feito hoje pela manhã, após revisão pelos presidentes brasileiro e iraniano e o primeiro-ministro turco.

O Irã necessita de combustível nuclear para um pequeno reator. A AIEA propôs fornecer a quantidade de urânio enriquecido de que precisa o Irã, em troca do minério com menor grau de enriquecimento de que o país dispõe. O Irã em contrapartida exige que a troca seja feita em Teerã ou num local de sua confiança e simultaneamente. Não quer receber urânio enriquecido meses depois. Pela negociação em curso, a Turquia e o Brasil podem ser o país intermediário da troca, mais provavelmente a Turquia, que tem fronteira com o Irã.

Como sempre acontece nas questões do Oriente Médio, a proposta foi só o início de barganhas sucessivas. Os Estados Unidos, principalmente, querem que o Irã dê uma demonstração inequívoca de boa vontade à comunidade internacional. O Brasil tenta arrancar esse compromisso do Irã, que por sua vez sente-se discriminado por Israel ter um arsenal estimado em 200 bombas nucleares e nem por isso ser incomodado.

Nessas 24 horas, para falar apenas do período em que Lula está em Teerã, as autoridades brasileiras puderam constatar na prática porque outros atores mais tradicionais na política internacional julgam perda de tempo falar com Teerã. Não está sendo difícil para os brasileiros perceberem que há divisões internas no governo teocrático. Os setores mais duros até esperam pelas sanções, o que serviria para justificar ainda mais o fechamento do regime, hoje obcecado por questões de segurança.

A colaboração do Brasil com Teerã não é desinteressada: o país desenvolve seu próprio programa nuclear. Se o acordo vier a ser fechado, o entendimento é que o programa nuclear iraniano será legitimado. Seria o reconhecimento de que o Irã tem o direito de enriquecer urânio para fins pacíficos. Isso seria música para o Brasil, que tem projeto de entrar no mercado nuclear, produzindo energia e materiais médicos.

O problema é que a relação ambígua com o regime de Teerã já provoca a desconfiança internacional. Setores do Itamaraty julgam que o risco de o Brasil perder é maior que o de ganhar, nessa negociação. A vitória, no entanto, pode tornar Lula um líder internacional maior do que já é. E a recíproca é verdade.Valor

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