O Ministério Público começa a dispender esforços para reconquistar o direito de participar de atividades político-partidárias - inclusive com a permissão para que seus integrantes concorram a cargos eletivos. O MP pretende estancar as sucessivas derrotas que vem sofrendo no Congresso. Em março, foram dois reveses, que ocorreram sem que nenhum parlamentar, do governo ou da oposição, se insurgisse contra elas. O direito de participar de ações político-partidárias foi conferido pela Constituição de 1988, mas perdido na reforma do Judiciário de 2004.
O Ministério Público começa a concentrar esforços para reconquistar o direito de participar de atividades político-partidárias e de concorrer, através de seus integrantes, a cargos eletivos. O MP pretende estancar as sucessivas derrotas que vem sofrendo no Congresso, onde viveu o seu auge em 1992, quando o então procurador de Justiça Ibsen Pinheiro presidiu a Câmara dos Deputados, liderando também o primeiro processo no país de impeachment de um presidente da República, Fernando Collor de Mello.
Apenas em março ocorreram duas dessas derrotas. A nova lei de ação civil pública, que ampliaria poderes do Ministério Público, caiu na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sem nem sequer passar pelo plenário. E a "Lei Paulo Maluf", que pune integrantes do Ministério Público que agirem com má fé, intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política, está prestes a ser votada na Câmara, mediante uma solicitação do PP partido do deputado autor.
Mais do que os critérios objetivos das duas derrotas, o que chama a atenção são suas circunstâncias: ocorreram sem que qualquer parlamentar, do governo ou da oposição, se insurgisse contra elas.
ão justamente nessas circunstâncias adversas, cada vez mais frequentes no Congresso, que se fundamenta o anseio do MP em retomar o direito de participar de atividade político-partidária, concedido pela Constituição Federal de 1988, mas perdido na reforma do Judiciário de 2004. Desde então, apenas os que ingressaram na carreira antes de 1988 têm esse direito.
A classe quer fazer valer a interpretação de que os que ingressaram até 2004 também podem disputar eleições.
O trabalho tem sido realizado em duas frentes. Uma delas, com expectativa de resultados mais imediatos para outubro deste ano, é derrubar uma resolução de 2006 elaborada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que proíbe procuradores e promotores de disputar eleições. Proposta por um procurador da República, ela dividiu os 14 conselheiros. A metade ligada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao Judiciário e ao Congresso é contra. A outra metade, ligada ao Ministério Público, é a favor, à exceção do procurador Mário Bonsaglia, contrário à tese por entender que fere a autonomia profissional do MP. Após sucessivos adiamentos, o assunto voltará a ser analisado no dia 27.
A outra frente é pela aprovação da proposta de emenda constitucional formulada pelo promotor de justiça aposentado e senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que permite a atividade político-partidária aos que entraram no MP até 2004. Contudo, o ano eleitoral e a quase nula sensibilidade do Congresso a reivindicações do MP torna essa possibilidade uma pretensão a ser trabalhada na próxima legislatura. Por ora, o que se tenta é a liberação no CNMP de modo que os candidatos consigam pelo menos um argumento a mais para questionarem na Justiça o direito de concorrer.
Para os mais convictos da sua aptidão eleitoral, a saída é pedir exoneração. Foi o que fez o agora ex-procurador da República Pedro Taques, 40 anos. Deixou os 15 anos de atuação no MP para concorrer a uma vaga a senador pelo Mato Grosso. Em seu currículo na carreira pública, acumula casos de repercussão nacional, como a prisão do deputado (então senador) Jader Barbalho (PMDB-PA) por suspeitas de desvio de recursos na Sudam; o tribunal do júri do ex-deputado acreano Hildebrando Pachoal; e a prisão do "comendador" Arcanjo Ribeiro, apontado como o chefe do crime organizado no Centro-Oeste do país.
Taques critica a vedação à atividade político-eleitoral imposta pela reforma de 2004. "Impedir-nos de participar da política só seria possível se vivêssemos em uma democracia ideal, o que não ocorre. Nosso sistema representativo é de classes e categorias sociais. Durante esses 15 anos senti necessidade de mudanças legislativas, mas as leis são feitas por grupos de pressão e o MP tem que ter o dele", afirmou ao Valor.
No Estado, ele se filiou ao PDT e parte para uma acirrada disputa com o ex-governador Blairo Maggi (PPS) e um petista ainda a ser definido entre a senadora Serys Slhessarenko e o deputado Carlos Abicalil. "A sociedade vem perdendo muito por esse sistema. Você não pode impedir que o cidadão tenha esses direitos. Não quero ser um meio cidadão", diz.
Apesar de a exoneração de Taques trazer um cálculo político arriscado - se não for eleito, só regressa à carreira mediante os concorridos concursos públicos -, ela evita longas incursões e indisposições por tribunais de Brasília, além dos inconvenientes das batalhas judiciais contra adversários, vividos, por exemplo, pela prefeita de Santarém (PA), Maria do Carmo Martins Lima (PT), 49 anos.
Promotora de Justiça desde 1990, licenciou-se para disputar a prefeitura pela primeira vez em 1996. Perdeu, mas foi eleita deputada estadual em 1998. Já empossada, perdeu a eleição para a prefeitura novamente em 2000 e para o governo do Estado em 2002. Chegou finalmente ao Executivo de sua cidade em 2004, sendo reeleita em primeiro turno em 2008, com 52,8% dos votos.
Só tomou posse em junho de 2009, pois a candidatura oposicionista sustentou na Justiça que, sendo promotora, ela não poderia ser candidata. O pedido de impugnação foi aceito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pouco antes da diplomação da prefeita. Esgotados todos os recursos, veio do Supremo Tribunal Federal (STF) a liberação para a posse de Maria do Carmo, seis meses depois do previsto. "Tornou-se uma das maiores questões judiciais de que se tem notícia no Pará e no âmbito do Ministério Público", afirma seu advogado Walmir Brelaz, que prepara um livro sobre o caso.
O trâmite judicial foi longo: em 10 de agosto de 2008, o juiz de Santarém julgou improcedente a ação da oposição, que recorreu e viu o Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA) acompanhar a decisão, em setembro de 2008. O caso chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 9 de setembro. Em 5 de outubro ela ganhou nas urnas. Antes da diplomação, o TSE acatou as alegações da oposição. Maria do Carmo, então, foi ao Supremo Tribunal Federal, que, em 4 de junho de 2009, julgou procedente seu recurso. Até então, Santarém estava sendo comandada pelo presidente da Câmara Municipal.
No STF, prevaleceu a tese de que falta uma regra de transição para disciplinar os ingressos no MP até 2004 e que se deve resguardar a soberania popular e o direito fundamental à participação política.
A maioria, porém, prefere aguardar uma solução legal para todos. O procurador de Justiça Fernando Fagundes, ex-secretário particular do ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves (PSDB), por exemplo, afirma que a realidade legal é mais forte que seu desejo de concorrer. "Mas sinto essa necessidade de termos integrantes do MP disputando o Legislativo e ter melhor apoio por lá".
Esse apoio é hoje dado por uma bancada de quatro deputados federais -Vieira da Cunha (PDT-RS), Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Dimas Ramalho (PPS-SP) - e um senador, Demóstenes Torres.
Contra eles, a quase totalidade da Casa, revoltada com as ações judiciais e os prejuízos políticos que o MP lhes causa, além de uma forte bancada organizada de policiais civis, militares e federais, os que mais propõem ações contra o Ministério Público.
As associações representativas têm feito um trabalho de aproximação com os parlamentares. "Já há um clima de construção de uma ponte entre MP e Congresso, embora nossa pauta hoje seja mais reativa do que proativa", diz o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Antonio Carlos Bigonha.
Aliado a esse trabalho externo, o MP tem atuado também para dentro da corporação, com os novos e jovens integrantes do MP. "Os arroubos são próprios da juventude. Temos conversado com os procuradores-gerais dos Estados para que os jovens integrantes do MP evitem a prática do açodamento. Por isso estamos passando da repressão aos erros à prevenção", diz o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), César Mattar Jr.
O alerta aos jovens procuradores e promotores tem sido claro nos cursos preparatórios e nas entidades representativas, a quem o MP vem mostrando que a falta de apoio às suas causas decorre das exorbitâncias .
A própria prefeita de Santarém, que diz ter "a visão dos dois lados" - como política e ao mesmo tempo integrante do MP -, dá o seu testemunho. "O relacionamento é ruim porque os promotores preferem fazer denúncias e depois passar para o Judiciário o papel de dialogar com os prefeitos. Só que aí o estrago já está feito", diz. Ela afirma já ter sido acionada cinco vezes pelo MP e que em todas elas as denúncias foram arquivadas. "A maioria das denúncias do MP no Brasil são infundadas, pois se dá tratamento político a um instrumento que é jurídico, expondo os prefeitos à execração pública", diz ela, favorável à "Lei Maluf": "O que se quer é que o MP responda por denúncias infundadas e por lançar a história do político na sujeira".
No Conselho Nacional do Ministério Público, os indícios de abusos são temas constantes na pauta dos conselheiros. O famoso procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza, que deu trabalho aos tucanos durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foi punido em 2008 com a suspensão de 45 dias por "expressivo exercício de atividade político-partidária". Recorreu ao STF e conseguiu uma liminar que suspendeu a pena. Ainda assim, seu caso é exemplar: desfiliou-se do PT, ingressou no Ministério Público, e escolheu como alvo os tucanos, então no Palácio do Planalto. Com a vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, sumiu.
Tanto entre os políticos como no Ministério Público, Luiz Francisco é apontado como o estereótipo dos perigos da vinculação da atividade partidária com a profissional. A própria vedação que a reforma do Judiciário trouxe é tida como consequência de sua atuação. O PT por não querer um novo "Luiz Francisco" em seu governo. O PSDB, pelo trauma da experiência com o procurador. Não à toa o relator da reforma do Judiciário no Senado foi o senador José Jorge, então no PFL (atual DEM) e vice na chapa de José Serra (PSDB) em 2002. Na Câmara, o presidente da Comissão Especial para avaliar a matéria foi o atual secretário-geral do PT, José Eduardo Martins Cardozo, ao passo que o relator foi o deputado Ibrahim Abi-Ackel (MG), do mesmo PP de Paulo Maluf.Valor Econômico
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