Indisciplinas como a do general Maynard começam com palavras, mas acabam em golpes, tortura e morte
A EXONERAÇÃO do general Maynard Santa Rosa do Departamento-Geral de Pessoal do Exército veio bem e veio tarde. Ele deveria ter sido disciplinado quando criticou a conduta do governo na demarcação da reserva indígena de Roraima. Um cidadão tem todo o direito de achar que a Comissão da Verdade será uma "Comissão da Calúnia", mas militar, de cabo a general, não pode expressar publicamente suas opiniões políticas. Muito menos atacar um decreto presidencial.
Foram muitas as pragas da vida brasileira no século passado. Uma das piores foi a anarquia militar. Entre os 18 do Forte de 1922 e a bomba do Riocentro de 1981, ocorreram pelo menos 20 episódios relevantes de insubordinação militar, um a cada três anos. Alguns fracassaram, outros prevaleceram. Uns tiveram apoio popular, outros foram produto da pura vontade dos quartéis. Uns agradaram à esquerda, outros, à direita.
Em mais de meio século de anarquia, a pior bagunça ocorreu precisamente durante os 21 anos de ditadura militar. Em 1969, o país virou uma casa da mãe joana. O presidente Costa e Silva teve uma isquemia cerebral, seu sucessor legal, o vice Pedro Aleixo, foi impedido de assumir o cargo e a cúpula militar resolveu escolher seu sucessor.
Os generais entendiam que o povo não tinha a educação necessária para escolher um presidente. E aí? Quem escolhe? Os comandantes militares? Nem pensar, assim como voto do enfermeiro não podia valer o mesmo que o de um médico, o de um general que comandava uma mesa não valia a mesma coisa que o de um comandante de tropa. Fez-se a eleição mais manipulada da história nacional. Tão manipulada que não se conhecem nem sequer as regras do processo que escolheu o general Emilio Medici. Sobrevivem apenas duas tabelas que não fazem nexo.
Durante a ditadura, a anarquia produziu e institucionalizou um aparelho repressivo que se deu à delinquência da tortura, do assassinato de cidadãos e do extermínio de militantes de organizações esquerdistas. Começaram combatendo os grupos que, entre 1966 e 1973, se lançaram num surto terrorista. Terminaram com um pedaço dessa máquina fazendo seu próprio terrorismo, botando bombas em instituições acadêmicas, bancas de jornais e entidades como a OAB e a ABI.
Quem namora pronunciamentos militares deve contemplar duas fotografias: a dos 18 do Forte, heroica, com os oficiais caminhando desafiadoramente pela avenida Atlântica, alguns deles para a morte, e a do Puma do Riocentro com o corpo dilacerado do sargento do DOI. São cenas diferentes, mas têm a mesma nascente.Elio Gaspari
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