quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Governo executa política anticíclica e vai manter nível de investimentos, diz Dilma Rousseff


Num momento de calmaria, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, fez uma pausa para avaliar as medidas que o governo tomou para impedir que o desassossego na economia internacional contamine a estabilidade brasileira: "Nós fizemos todo o serviço", diz ela, e por esse motivo o governo federal pode assegurar que vai manter os investimentos prioritários do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do pré-sal.

"Nós montamos todas as medidas tópicas que consideramos necessárias", disse Dilma em conversa com o jornal Valor Econômico. "Todas preventivas", ressaltou. "No tempo que acharmos que devemos, nós as ampliaremos", afirmou, sem, no entanto, adiantar que tipo de medida se encontra em estudos. Uma das preocupações do governo é fazer com que o crédito efetivamente chegue a quem precisa dele. Dilma acha que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e os presidentes dos bancos oficiais já fizeram a sua parte. Mas destaca que "a rede privada também vai ter que responder, até porque ela é uma parte muito importante do crédito".

À vontade no papel de candidata preferida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sucessão de 2010, Dilma não se abala com as críticas da oposição à administração da crise pelo governo. Sua avaliação é que, na comparação, Lula leva vantagem em relação aos tucanos a partir da constatação de que, na atual crise, o governo "não é parte do problema, é parte da solução", ao contrário das crises do passado.

A ministra acha que essa é uma "característica que torna a reação deste governo à crise completamente distinta a dos momentos passados". O que que acontecia antes? Dilma responde: "Essa crise é diferente das anteriores. E não é porque uma foi de bilhões e outra de trilhões". A chefe da Casa Civil explica: "É que naquela de bilhões, a da Ásia, a do México, da Rússia, da Argentina, do Brasil, o que acontecia"? Ela se apressa a responder: "Acontecia que quatro dias depois da crise o governo era parte do problema. O governo quebrava. E quebrava seja porque não tinha reserva nenhuma, seja porque ele tinha indexado a dívida interna ao dólar. Ele quebrava porque, quando ele não tinha reserva e a dívida interna era indexada ao dólar, adotava uma política ainda mais recessiva do que a própria crise."

Isso, diz a ministra recorrendo a um discurso dos primórdios do governo do PT, porque o governo era obrigado a usar todos os receituários do Fundo Monetário Internacional (FMI): "O que acontecia antes é corta, esfola e acaba com o investimento." Pelo receituário do fundo não se podia investir em saneamento, habitação, eletrificação rural. "Ou nós vamos esquecer que isso aconteceu?", desafia.

Na sala de reuniões ao lado de seu gabinete, no quarto andar do Palácio do Planalto, a ministra resume "a situação": "O que nós estamos tentando impedir é que os efeitos da quebra do crédito internacional _ que nos afeta porque uma parte do nosso crédito a gente tomava lá fora _ e da expectativa sobre nós sejam os menores possíveis, daí porque manter o nível de atividade é muito importante, daí porque a gente afirma que o crédito de longo prazo do PAC vai ser mantido, e os programas sociais serão mantidos."

Ela promete, ou melhor, assegura: "O governo fará tudo o que for preciso para manter o nível do investimento privado também, pelo menos, ter a menor redução possível." Dilma demonstra que está atenta ao que dizem os críticos e a oposição partidária. "Não adianta achar que a gente combate a crise achando que ela é pior do que ela é ou que ela é melhor do que ela é", afirma. "Eles dizem assim: "acharam que ela era melhor". Também está muito errado achar que ela é pior. Nem oito nem 80". E a ministra prescreve o seu próprio receituário: "Você tem de saber qual é, de fato, o problema que tem no Brasil. Ele é diferente do problema que tem nos outros países. E , portanto, ele pode exigir medidas diferentes."

Dilma socorre-se de uma assessora e pede seu computador. "Minha memória não está funcionando bem", diz a ministra, afável e sorridente, que nem de longe lembra a mulher ríspida que de vez em quando emerge da conversa de outros ministros e congressistas aliados. "Na crise que nós enfrentamos antes desta (no governo passado), o Brasil estava quebrado e tinha que recorrer ao FMI e aceitar o receituário depressivo do FMI. Nós não temos que recorrer ao FMI, não temos que fazer políticas depressivas e não vamos fazer."

Dilma veste mais ainda o papel de candidata quando se refere, indiretamente, aos tucanos: "A situação atual é completamente diferente porque a situação é outra", diz. Ela é contundente: "Me espanta que quem viveu aquela época, é responsável por ela, queira que nós hoje tenhamos a mesma situação daquela época. Não temos, não. A nossa forma de enfrentar a crise é diferente, por que é uma forma muito mais pró-ativa". E provoca: "Antes o governo estava em córner. Nós não estamos em córner. E outra coisa: não surgiu no Brasil essa crise. As outras têm características endógenas também. Ou seja, saiu uma parte de dentro do Brasil mesmo. Hoje não saiu de dentro do Brasil."

Segundo a favorita de Lula, a atual crise tem "outros parâmetros" em relação a crises anteriores atravessadas pelo país. Quais são? "O governo não quebrou, pelo contrário, tem uma situação bastante sólida: reservas, bancos com condições de fazer todo um avanço sobre o crédito, e, sobretudo ele está mantendo os investimentos."

Nesse contexto, a ministra aplaudiu a fusão entre os bancos Itaú e Unibanco. "Acredito que essa fusão é uma boa notícia. Forma um banco de porte. Eu diria até que vem contra a corrente internacional, porque o sistema financeiro internacional ocidental quase faliu. Enquanto isso, nós estamos apresentando um banco forte", afirma Dilma. Isso significa dizer que o pior já passou? "Não é nem o pior já passou", diz a ministra. O que ocorre, em sua opinião, é que "a crise econômica no Brasil repercute diferente do que repercute nos países centrais".

"Nós tivemos um problema do câmbio. Eu acho que o Banco Central (BC) foi bastante eficaz no que se refere ao controle desse problema, porque o problema do câmbio é basicamente não deixar ficar volátil. O que mata no câmbio é ele oscilar de R$ 1,50 para R$ 2,50. Então, na medida que ele estabiliza num patamar de R$ 2,10, R$ 2,00 essa é a questão-chave: estabilizar o câmbio". Questão resolvida? "Eu acho que pelo menos está bem encaminhada."

A ministra fala com desenvoltura sobre o desempenho dos demais atores do governo na crise. Além do câmbio, por exemplo, ela avalia que outra questão fundamental é a do crédito. "Eu acho que o ministro Guido [Guido Mantega, da Fazenda], o ministro Meirelles [Henrique Meirelles, presidente do BC], os presidentes dos bancos, tanto o Luciano Coutinho (BNDES) quanto os presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, o Lima Neto e a Maria Fernanda, tomaram as medidas que agora têm que chegar até o consumidor final".

Para manter girando a roda dos investimentos, Dilma cita os programas prioritários - PAC e a fase do pré-sal tanto para os campos de Tupi quanto para Iara - e "o dinheiro que o governo está colocando na agricultura, não só no Plano Safra 2008-2009, em que oferecemos, se não me engano, R$ 65 bilhões para agricultura comercial, mas também a liberação do compulsório para a agricultura e a liberação de R$ 10 bilhões para o Fundo de Marinha Mercante. Tem toda uma linha que foi aprovada para o pessoal da indústria automobilística poder manter o financiamento dos automóveis".

A ministra ainda tem fôlego para fazer uma distinção dos efeitos da crise entre os países centrais e os emergentes. "Há uma diferença entre desaceleração, que é o que pode acontecer com os emergentes, para recessão e depressão", diz. "Hoje o temor dos países desenvolvidos é depressão. Que tem recessão, já se sabe. Todo o esforço dos governos é para deixar ser uma recessão: os governos dos países centrais, que hoje estão intervindo na economia, praticando uma política agressiva, inclusive aumentando de maneira estarrecedora o seu déficit público."

"O que o governo está fazendo é usar todos os instrumentos que tem para não deixar que no Brasil nós sejamos mais atingidos por mais do que uma desaceleração", conta Dilma, ao ser questionada se a crise, no Brasil, não se estenderá à fase dois, a da recessão. "A nossa situação é diferente da deles. O nosso sistema financeiro não quebrou, nos temos um mercado interno, nós somos um país com um mercado interno de peso, nós somos um país continental, nós ampliamos esse mercado interno trazendo consumidores para ele, nós temos instrumental para usar, e estamos participando de todas as discussões internacionais no sentido de ter a melhor solução para o Brasil."

É esse, nos termos de Dilma, o trabalho do governo. "Foi feito um enorme esforço para responder imediatamente a uma crise profunda. Nós colocamos todos os instrumentos que podíamos, estão todos eles enfileiradinhos", diz a ministra, para arrematar como quem não teme que, amanhã, a crise possa mostrar que o governo deixou de recorrer a algum instrumento ao seu alcance: "Fizemos todo o serviço. E agora temos uma política anticíclica." E o que vem a ser uma política anticíclica? "É o papel em que o Estado tem de manter o nível do investimento. Nós vamos manter, através do PAC, o nível dos investimentos, e através das políticas sociais, o nível de consumo, não deixando que as camadas mais pobres da população paguem o pato."

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