O governo Dilma Rousseff está se municiando com informações para entender e contemplar com políticas públicas exclusivas a nova classe média, mesma parcela da população sobre a qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso referiu-se em recente artigo ao dizer quais deveriam ser as prioridades do PSDB nas próximas eleições presidenciais.
Na segunda-feira, o governo federal promoverá um seminário sobre a nova classe média. O evento, que deverá contar com a presença da presidente Dilma Rousseff, será realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e pelo Ministério da Fazenda. Outras áreas do governo também estarão envolvidas, como os ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento Agrário.
O seminário abrirá caminho para a realização, em novembro, de um evento ampliado. O "1º Fórum Novo Brasil - desvendando a nova classe média", que contará também com a participação de organizações não governamentais, empresários e demais entidades organizadas da sociedade civil.
"Nos últimos anos, entre 30 milhões e 31 milhões de pessoas ingressaram na classe média. Temos uma realidade nova, um quadro social diferente do qual estávamos acostumados", comentou o secretário-executivo da SAE, Roger Stiefelmann Leal, acrescentando que o poder público precisará adaptar suas ações ou criar novas políticas para atender essa parcela da população. "Queremos garantir que isso seja um caminho sem volta, assegurar que não tenha retrocessos."
Uma pesquisa feita pelo Data Popular, instituto de pesquisa especializado na base da pirâmide econômico-social do país, dá algumas pistas sobre quem é e como pensa a crescente classe média. De acordo com o levantamento, que está nas mãos do governo, a classe C é mais otimista em relação à renda, saúde e qualidade de vida do que as classes mais baixas e altas. Na classe C, por exemplo, 84% dos entrevistados disseram acreditar que terão mais renda nos próximos quatro anos. Os percentuais verificados no que o Data Popular chama de elite (classes A e B) e povão (classes D e E) são de 56% e 59%, respectivamente.
De uma maneira geral, 80% dos entrevistados da classe média disseram estar otimistas com o futuro próximo. Os maiores índices de otimismo foram captados nas regiões Nordeste (89%) e Norte (88%). Na classe média do Centro-Oeste, os otimistas somaram 82% do total, contra 76% no Sudeste e 75% no Sul.
Essa percepção é justificada pela melhora da condição de vida dos entrevistados. A escolaridade, por exemplo, tem crescido na classe média. Em 2002, apenas 6% dos eleitores da classe média tinham curso superior. Tal parcela cresceu para 9% em 2010 e deve chegar a 11% em 2014. O maior avanço se vê entre os que concluíram o ensino médio. Esse segmento passou de 31% em 2002 para 39% no ano passado - e deve alcançar 41% em 2014. Além disso, os jovens das camadas sociais mais baixas têm ultrapassado a escolaridade de seus pais.
Segundo o levantamento do Data Popular, uma revolução no acesso à internet deve acontecer na classe média nos próximos anos. Em 2010, apenas 44% dos eleitores da classe C tinham acesso à web. A estimativa do instituto é que essa parcela chegue a 67% em 2014. A pesquisa foi feita com 16 mil pessoas em 251 cidades distribuídas em 26 Estados.
Outra característica da nova classe média é que vem caindo a diferença de renda de pais e filhos. Com mais dinheiro e informação, os jovens estão com mais voz dentro de casa e têm se tornado formadores de opinião entre seus familiares. As mulheres, ao contribuírem mais para a renda familiar, também ganharam mais espaço e poderes de influência e decisão nas famílias de classe média.
Para o sócio-diretor do Data Popular, Renato Meirelles, esses dados mostram que os políticos precisarão se adaptar. A nova classe C, explicou, dificilmente vende seu voto, é mais esclarecida e crítica à corrupção. "Há um processo de amadurecimento da classe média. As práticas clientelistas do passado não seduzem mais a classe média. Ela quer coisas que melhorem a vida dela", destacou. "Isso apareceu nas últimas eleições e vai se consolidar nas próximas."
Em 2010, as classes A e B representavam 19% do eleitorado. A classe C era 52% do total, ante 29% das classes D e E. Em 2014, prevê o Data Popular, a classe C avançará para 57% do eleitorado total. As classes A e B continuarão sendo 19% dos eleitores, enquanto a participação das classes D e E cairá para 24%.
Atualmente, mostra o estudo, 54% dos eleitores das classes A e B estão localizados na região Sudeste - onde o PT historicamente enfrenta dificuldades nas eleições - e 19% no Sul. O Nordeste vem depois, com 14%. Em seguida, aparecem o Centro-Oeste (9%) e o Norte (4%).
A maioria dos eleitores da classe média também está no Sudeste (48%), no Sul (17%) e no Nordeste (23%). No Centro-Oeste e na região Norte, os eleitores de classe média somam respectivamente 8% e 4% do total. Já o eleitorado de classes D e E se concentra no Nordeste (46%) e Sudeste (32%). Em seguida, vêm as regiões Sul (10%), Centro-Oeste (7%) e Norte (5%).
As principais forças políticas, claro, já estão de olho nessas mudanças. Líder da minoria na Câmara, o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) aposta justamente no discurso de combate à corrupção para defender a renovação na próxima eleição presidencial. "A renovação é fundamental para que coisas como as que vêm acontecendo no Ministério da Agricultura não ocorram", disse o aliado do senador Aécio Neves (PSDB-MG), referindo-se às denúncias de irregularidades na Pasta.
O deputado André Vargas (PR), secretário de Comunicação do PT, justificou por que seu partido e o governo querem interpretar melhor as demandas da classe C. "Temos que entender melhor essa classe média e nos comunicar com ela. Na medida em que se tem políticas específicas para ela, do ponto de vista eleitoral, se tem condição de apresentar melhores propostas."
Para o especialista do Data Popular, no entanto, os dois partidos, respectivamente identificados com o combate à inflação e a luta contra a pobreza, precisarão se reinventar para atrair esses eleitores. "Ao mesmo tempo em que a classe média se torna mais consumidora, ela fica mais cidadã. Ela ficou mais crítica e mais qualificada", ponderou Renato Meirelles.
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