sexta-feira, 29 de abril de 2011

Crônica do momento

Ao fazer blague dos engarrafamentos de trânsito, cada vez maiores e insolúveis, o escritor Luis Fernando Veríssimo descreveu em sua última crônica o momento da economia brasileira, mesmo não sendo a sua intenção, melhor que o de muitas análises técnicas, entre elas a ata da reunião do Banco Central sobre a trajetória da inflação.

“É nisso que deu oito anos de governo Lula”, ele escreve, criando um diálogo entre dois motoristas no trânsito parado de uma cidade qualquer. “Este caos.” E foi em frente: “Todo mundo com carro, e todos os carros na rua ao mesmo tempo. Não tem mais hora de pique, agora é pique o dia inteiro”. Tem de haver um culpado, desconfia o motorista da ficção realista de Veríssimo. Quem seria?

A resposta ironiza os críticos desse novo cenário. “Foram criar a tal nova classe média e o resultado está aí: ninguém consegue mais se mexer. E não é só o trânsito. As lojas estão cheias. Há filas para comprar em toda parte. E vá tentar viajar de avião. Até para o exterior — tudo lotado. Um inferno. Será que não previram isso?”

A questão é toda essa: falta infraestrutura após três décadas sem obras de logística, geração de energia, redes de saneamento, saúde e educação. Mas o que os motoristas de Veríssimo constatam em meio ao cotidiano engarrafado é outra coisa: o emprego informal, o crédito ralo e a produção ociosa deixaram de ser mazelas, tornaram-se virtudes, sem que seu entorno tenha acompanhado essa evolução.

Dois períodos mais recentes se destacam nesta história ainda em construção. O primeiro, de resgate das finanças nacionais do limbo da insolvência virtual — tempos em que a seca periódica de dólares datava os ciclos de crescimento econômico, cada vez mais breves.

Dessa situação, resultado do esgotamento do crescimento acelerado da fase autoritária, o país começou a sair com a reforma monetária implantada em 1994 e aprofundada no governo de Fernando Henrique.

Assim foi até o primeiro governo Lula. E, embora inacabada, foram dos frutos dessa reforma, especialmente a relativa estabilidade da inflação e o fim da vulnerabilidade externa, que surgiu o segundo momento, do alívio social, com transferências fiscais de renda e aumentos reais do salário mínimo “nunca antes vistos neste país”.

A tanto se chegou graças também — ou sobretudo, dizem os críticos do lulismo — à excepcional bonança da economia global, com auge do início do milênio até a véspera da débâcle de Wall Street em 2008. Essa discussão é ociosa. Relevante é o próximo momento, o atual.

A miríade de tensões
Os anos de 1994 até pouco tempo atrás foram para os governos FH e Lula de limpeza dos passivos das contas nacionais e para começar a solver a dívida social. Ambos são processos que levarão décadas, e cumulativos ao passivo mais atrasado: o físico, da infraestrutura, o motivo de outro questionamento da crônica de Veríssimo.

“Será que ninguém se deu conta dos efeitos que uma distribuição de renda irresponsável teria sobre a população e a economia?”. Tal perplexidade tem resposta: é o PAC, sigla do programa nascido em 2007, de revitalização dos transportes, da geração de energia, do saneamento, da habitação popular. Só que os seus resultados são lentos. E se desenvolvem em paralelo com a transformação social, o que implica a miríade de tensões sintetizadas pela inflação.

Tempos de incertezas
Em alguma hora tudo isso iria aparecer com maior ou menor ênfase. É maior pelos choques de preços do petróleo e agrícola, resultados menos da fraqueza do dólar que da ascensão dos países emergentes, especialmente China e Índia, mercados de 2,5 bilhões de pessoas em busca de melhores dietas alimentares e mais bens de conforto.

A trajetória ascendente do Brasil, outro dos emergentes de ponta, tem de conviver, como todos os demais países, com as incertezas de um mundo em transição depois da grande crise, ir se adaptando onde for possível e tentando puxar a onda do que fizer melhor.

A mutação permanente
Trata-se de um exercício em permanente mutação, em que a resposta nunca é definitiva, mas variável conforme a prioridade da vez. No começo, solvência do Estado (FH). Depois, distensão social (Lula). Hoje, reformar e ampliar a infraestrutura (Dilma Rousseff). A arte é ponderar as ênfases, destacando a da vez não à custa das demais.

Crescimento movido a investimento, prioridade de Dilma, não exige a desmobilização do consumo impelido pelo emprego e crédito. Basta baixar seu ritmo. Ou a inflação restabelece o equilíbrio na marra. É o seu papel: servir de alerta antes que viver no Brasil se torne insuportável, a mensagem em tom sarcástico do texto de Veríssimo.

Sem condescendência
Já a crônica da reunião do Banco Central do último dia 20 não faz blague com a conjuntura da economia, mas fala sobre caminhos. O BC avisou que o ajuste da Selic será “suficientemente prolongado”. É o que os críticos do gradualismo contra a inflação queriam ouvir.

O BC diz que o balanço de risco “não evoluiu favoravelmente” para a inflação. Inseriu a projeção de um aumento do preço da gasolina, estimado em 2,2%, o que se soma, prosseguiu, aos choques de oferta “domésticos e externos”. Resumo: um juízo nada condescendente com a inflação, que acomoda a posição dos dois diretores que votaram pelo aumento da Selic para 12,25% com a decisão de elevá-la a 12%. Se não foi mais, será depois, se a desinflação tardar a despontar.Antônio Machado

Um comentário:

  1. Ainda que o PLano Real, que sufrfava numa onde deflacionária mundia e que nivelou preços por cima e salários por baixo, tenha méritos no controle da inflação e na estabilidade monetária, o FHC quase conseguiu afundar o país. QUebrou o país por 3 vezes, aumentou noss dívida interna em 600%, vendeu nossas estatais a preço de banana. Au acho que ele mais atrapalhou que ajudou. Acho que o amigo está enchendo muito a bola deste bola-murcha. Além do mais, metas de inflaçãoe câmbio flutuante, que realmente trouxeram a estabilidade e o controle da inflação, foram imposições do FMI para liberar o empréstimo que re-elegeu o pulha em 1998. O FDP, digo, fhc, é tão original quanto um rolex paraguaio.

    "O BRASIL PARA TODOS não passa na glObo - o que passa na glObo é um braZil para TOLOS"

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