Há um aspecto curioso nas críticas que a própria oposição tem feito a José Serra. Pretende-se explicar o mau desempenho de Serra nas pesquisas de intenção de voto por uma questão de marketing. Serra teria assumido uma estratégica errada de evitar ataques diretos a Lula e agora colhe os maus frutos dessa opção.
O problema desta visão é esquecer que a política determina o marketing — mesmo quando se torna conveniente dizer contrário. Pretende-se vestir Serra com o figurino de um político conservador, de idéias liberais, que apenas por esperteza eleitoral iria fingir ser outra coisa. Será mesmo?
O que se assiste, no momento, é o desfazer de um duplo engano.
Serra fingiu que era suficientemente conservador para receber apoio das forças mais conservadoras de nosso espectro político e fechar o campo de possíveis concorrentes à direita.
Estes, por sua vez, fingiram acreditar no teatro do candidato — na esperança de receber uma fatia do bolo quando todos chegassem ao Planalto. A mágica funcionou enquanto as intenções de voto de Serra pareciam capazes de levar todo mundo a Brasília e garantir ministérios para todos. Depois, perdeu o encanto.
Basta ler o que Serra disse, fez e escreveu ao longo de meio século de vida pública para descobrir notáveis diferenças com o pensamento do DEM de Jorge Bornhausen e mesmo com o PSDB de Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan. De certo modo, o candidato da oposição tinha muitos elementos estranhos ao ninho conservador.
Alguém já esqueceu de suas críticas ao cambio fixo do plano Real, apoiada pela maioria dos economistas do PT? Ou de seu esforço para proteger a industria brasileira nos acordos do Mercosul, contrariando os fanáticos do livre comércio? Alguém já se perguntou o que Serra queria dizer com “ativismo” do Estado? Ou a repercussão externa de sua decisão em quebrar patentes de remédios?
O que isso tem a ver com os amigos do Estado mínimo, os campeões da globalização e da reducação radical da carga tributária? Nada.
Os críticos de Serra procuram dar a impressão de que o balanço da eleição pode ser feito assim: basta criticar um suposto oportunismo eleitoral do candidato e proclamar que é preciso voltar às origens.
O grave neste debate é que ninguém consegue responder à pergunta básica: qual origem? A julgar pelo que se viu até aqui, embora tenha apoiado um candidato só, a oposição possui pelo menos duas plataformas.Paulo Leite, na Época
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