As imagens dos briosos cavaleiros da Polícia Militar do Distrito Federal correram o país e estamparam as páginas dos jornais. O JB foi o único a estabelecer uma leitura contextualizada das cenas de excesso e brutalidade – ao comparar a forma como o governador José Roberto Arruda encarou manifestantes que cobram o seu impeachment – com outros tristes personagens da história política brasileira. Ao ver o policial brandindo o cassetete para o homem deitado, desarmado, no chão, a primeira associação foi com a atuação do então comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, ao impedir que motoristas usassem a buzina em um protesto a favor das eleições diretas na capital federal. Mas a imagem mais eloquente ao ver a carga da brigada ligeira sobre um punhado de opositores é mesmo a que revive o ataque a quem havia assistido à missa da Candelária, em 1968, nos anos de chumbo.
É evidente que o paralelo histórico precisa ser relativo, afinal o Brasil vive e exerce uma democracia plena em inúmeros aspectos. Por isso a truculência de ordenar o emprego de uma tropa a cavalo para desobstruir uma via da cidade parece ainda mais deslocado. Há inúmeras maneiras, dentro do escopo democrático, de a polícia lidar com manifestantes que transformam o seu direito de protestar em uma invasão ao direito alheio de quem precisa ou quer apenas ir de um ponto a outro da cidade. Viver na capital federal, por sinal, exige paciência chinesa diante da frequência com que grupos organizados promovem grandes manifestações que interrompem e paralisam a cidade. O conceito de fluidez tão querido dos arquitetos que conceberam Brasília há muito sucumbiu ao poder do desenvolvimento e da política paroquial local.
A ação da PM de Brasília deve ser vista dentro do contexto da crise moral da política brasileira. É uma reação de quem detém algum poder de dissuasão a vozes dissonantes que se tornam ruidosas e inconvenientes. O modus operandi apequenado que domina as gestões políticas na capital é o grande resultado de sua transformação de Distrito Federal em mais uma unidade da Federação. Vendo os pacotes de dinheiro trocando de mãos entre as autoridades do primeiro escalão locais, os pacotes na cueca, na meia, a oração dos corruptos, é natural que o cidadão do resto do país fique indignado, já que a rarefeita rejeição dos brasilienses às práticas flagradas pela operação Caixa de Pandora reduz bastante o espectro de oposição. O erro de cálculo da PM a serviço do governo foi imaginar que o número pequeno seria suplantado e neutralizado com uma ação exemplar, corretiva.
O excesso da polícia é um sinal do fim. Do quê, exatamente não se sabe. Pelo menos é o fim da picada. Pode ser da carreira política de um governador que já tinha sido flagrado fraudando votos no painel do Senado e confessou o ato publicamente. E que agora, apesar da aparente aura de eficiência na gestão, escondia um comportamento nada exemplar. Ainda assim, mesmo com todas as evidências, organizou o corpo de apoio jurídico caríssimo para montar um argumento risível – o panetone –, uma operação contra o impeachment na Câmara distrital (essa, sim, um circo dos horrores) e até uma blindagem jurídica no STF. Ou da paciência de acusados de corrupção com o incômodo alarido das ruas. Ou ainda da capacidade da PM do DF de entender a democracia.Jornal do Brasil
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