segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um prenúncio do Real em 1988


Para quem gosta de informações pouco exploradas pela história oficial: seis anos antes do presidente Itamar Franco e do então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso montar o plan real, um deputado de primeiro mandato apresentou, no Congresso, uma receita similar àquela que levaria do Plano Real. O deputado? Osmundo Rebouças, do PMDB do Ceará. O plano? A troca de moeda com um indexador temporário e rígido controle de gastos públicos, requisito para que se fechassem os dutos pelos quais se escorreria o dinheiro novo.

O ano era 1988, e o Congresso estava restaurando, com os debates da nova Constituição Federal, a capacidade de propor projetos de lei na área monetária. O peemedebista cearense montou o projeto com o economista Francisco Lopes, com quem fizera o doutorado na Universidade de Harvard. Está no site da Câmara dos Deputados: o projeto foi protocolado sob o número 1.017, em 11 de outubro. Segundo as palavras expostas na ementa, "altera o sistema monetário nacional como instrumento para a estabilização dos preços e dá outras providências". Adotava "duas unidades de curso legal, o cruzado e o real, símbolo R$, que se torna obrigatório nas demonstrações contábeis e financeiras". Também criava a Caixa de Estabilização, órgão do Banco Central que seria encarregado de fixar a paridade entre as duas moedas.

O projeto proibia a administração direta da União e o BC de fazer uso do real para efetuar empréstimos e fazer pagamentos, exceto salários e transferências a estados e municípios. Indicava que a transição do cruzado para a nova moeda deveria ser feita por uma unidade de referência. Reduzia, assim, a "otenização" de preços e salários, referência ao indexador da época, as Obrigações do Tesouro Nacional (OTNs). Não se admitia controle ou congelamento de preços. Mantinha o câmbio flutuante – o que o diferenciava do projeto que seria concebido seis anos depois pelos economistas André Lara Resende, Persio Arida, Edmar Bacha, Pedro Malan, Gustavo Franco e o próprio Francisco Lopes. E o ponto-chave do projeto de Rebouças: a implantação se daria por projeto de lei e não por medida provisória.

Aí a coisa pegou. Naquele 1988, o país estava sob a Presidência de José Sarney, nauseado pelo balanço entre o grande volume de demandas sociais surgidas com a Constituinte e a baixíssima legitimidade política de seu mandato – perdida com o fracasso do Plano Cruzado, um par de denúncias de corrupção e uma inflação que beirava os 3.000%. Informam as lições do poder que dificilmente um governo sem legitimidade e desesperadamente à caça de apoio popular segue adiante um projeto em que corta na própria carne. Sem apoio da equipe do então ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, sem consenso e articulação política no Congresso e sem a hegemonia e a força mobilizadora da equipe de FHC em 1993/1994, o plano de Rebouças fez água. Pelo histórico contido no site da Câmara, depois de trafegar entre comissões, relatorias e Mesa Diretora, o PL 1.017/88 seria definitivamente arquivado em outubro de 1990.

Osmundo Rebouças desistiria do Congresso e viraria diretor do Banco do Nordeste durante o governo de FHC. Professor brilhante da PUC do Rio mas pouco talentoso para a gestão pública, Francisco Lopes seria por alguns anos diretor do Banco Central, onde ocuparia, por míseros 18 dias, o cargo de presidente da instituição. Caiu ao fracassar na tentativa de criação da chamada "banda hexagonal endógena", que buscou desvalorizar gradualmente o real em janeiro de 1999, e terminou envolvido em um caso de repasse de informações privilegiadas naquele período.

Políticos

Análise feita ao colunista pelo jornalista Bill Keller, o poderoso editor executivo do New York Times: "Queremos em nossa cobertura o ceticismo sem cinismo. Se fizermos nosso trabalho corretamente, não vamos tomar como valor de face aquilo que os governantes nos dizem. Ao mesmo tempo, não assumiremos que os políticos são sempre e somente movidos por interesses especiais, motivos venais ou uma busca imprópria por poder. Quando não somos céticos o suficiente fazemos um desserviço aos nossos leitores. Mas é igualmente um desserviço se agimos com desdém ou arrogância, ou se não levamos a sério os argumentos dos políticos". O recado, dito a partir de conversa sobre a campanha e o governo Barack Obama, aplica-se bem ao jornalismo brasileiro mais apegado à busca por escândalos. JB

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