O governo de transição vai se apoiar em especialistas que atuam fora da administração pública para traçar as metas e elaborar políticas públicas de erradicação da pobreza absoluta, uma das principais promessas de campanha da presidente eleita, Dilma Rousseff. O núcleo duro do próximo governo faz um encontro sobre o tema amanhã. A ideia é estudar a criação de mecanismos para evitar que continuem existindo famílias brasileiras vivendo com menos de um quarto de salário mínimo por mês.
O objetivo de Dilma é ambicioso. Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a erradicação da pobreza extrema deve ocorrer, em condições normais, até 2016. A presidente eleita, contudo, quer buscar estratégias para antecipar em dois anos o prazo vislumbrado.
A decisão de realizar o encontro temático foi tomada durante reunião na sede do governo de transição, entre o vice eleito, Michel Temer (PMDB), os deputados Antonio Palocci (PT-SP) e José Eduardo Cardozo, além do presidente do PT, José Eduardo Dutra.
"Resolvemos fazer um dia de debate sobre temas que foram firmados pela candidata Dilma Rousseff durante a campanha. O primeiro assunto será a erradicação da miséria no Brasil. Vamos convidar especialistas e a ministra do Desenvolvimento Social (Márcia Lopes). Vamos discutir se é possível, como fazer e em quanto tempo. A candidata falou que era possível nos próximos anos erradicar a miséria no país", afirmou Dutra. Serão chamados estudiosos do Ipea e da Fundação Getulio Vargas.
Inclusão
O Bolsa Família será o principal instrumento de Dilma para alcançar a meta. O governo estima haver cerca de 200 mil famílias não atendidas que vivem abaixo da linha da pobreza extrema.
O Ministério do Desenvolvimento Social quer incluir esse contingente no programa até o fim do ano e entregar o caminho azeitado para a futura presidente. Há uma meta também de cadastrar moradores de rua, índios e quilombolas. No Norte e no Nordeste, a renda per capita está abaixo de R$ 70.
Além da erradicação da pobreza, o governo transitório vai discutir também segurança pública e saúde. Uma fonte ligada à equipe de transição afirmou que a proposta de criação de um cargo de assessor especial para Segurança Pública ligado à Presidência continua na mesa. Dilma Rousseff só não bateu o martelo por não ter feito ainda uma radiografia do Ministério da Justiça - hoje a bolsa de apostas dá como certa a indicação de José Eduardo Cardozo para a pasta.
Dilma não pretende anunciar os integrantes da futura equipe antes da segunda quinzena de dezembro. Os partidos aliados se movimentam para tentar antecipar algum nome, mas a única indicação é que a presidente eleita pode anunciar antes os responsáveis pelo bloco econômico -presidente do Banco Central e ministros da Fazenda e do Planejamento.
Os dotes de Dutra
» Leandro Kleber
Especial para o Correio
O presidente do PT, José Eduardo Dutra, negou ontem a possibilidade de voltar no próximo ano ao Senado, onde exerceu mandato até 2002. Ele é o primeiro suplente de Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), reeleito em outubro e que pode assumir um cargo no Executivo. "Não fui nem candidato. (A ideia de voltar) não foi colocada para mim. Está fora da minha administração", disse, após reunião de duas horas com os coordenadores da equipe de transição, Antonio Palocci, José Eduardo Cardozo e Michel Temer, no Centro Cultural Banco do Brasil.
Sobre a composição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, o presidente do PT reafirmou que ainda não há acordo formalizado, mas lembrou que o seu partido tem a maior bancada da Câmara. "É possível construir uma proposta na Câmara e no Senado que reflita aquilo que é a tradição das duas casas: a composição das mesas de acordo com a proporcionalidade de cada bancada", explicou.
Na segunda-feira, Dutra se encontrou com Dilma pela primeira vez após a volta da presidente eleita da Coreia do Sul. Ele contou que apresentou um relatório com os pontos discutidos entre ele e as legendas. "Os partidos querem manter o espaço que têm e, na medida do possível, ampliá-lo." Perguntado sobre qual foi a reação da presidente eleita ao ler o resumo, Dutra ironizou. "Vocês querem que eu tenha dotes psicológicos agora?".
Fatura depende dos critérios
» Izabelle Torres
A reunião dos governistas deve trabalhar com diferentes números e cenários da pobreza para mapear onde estão os brasileiros mais atingidos pela miséria. As contas estão prontas e levam em consideração critérios variados, como o Correio mostrou em reportagem do último dia 7. O menor gasto previsto considera ações destinadas apenas ao pedaço do país cuja renda mensal familiar não ultrapassa R$ 50. São 9,5 milhões de pessoas nessa situação, que custariam R$ 3,8 bilhões por ano, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea).
A promessa de combater a pobreza, feita pela presidente eleita, Dilma Rousseff, no entanto, não é restrita aos que vivem na miséria absoluta. Em função disso, a conta deve sair mais cara. Segundo Marcelo Neri, especialista da Fundação Getulio Vargas (FGV), um investimento real no combate à pobreza supera a casa dos R$ 20 bilhões anuais. Para ele, a avaliação sobre a miséria no país não deve levar em conta apenas a falta de comida ou a renda mensal, mas também as condições básicas de existência dos brasileiros. Deve considerar, por exemplo, condições de moradia e a capacidade de aquisição de bens de primeira necessidade. Sob esses aspectos, o número de brasileiros à espera das ações do governo sobe para mais de 28 milhões. "Para que uma pessoa viva com boas condições, a renda familiar deve ser de pelo menos R$ 120 por mês. Para isso, calculamos um custo aproximado de R$ 10 para cada brasileiro. Uma conta pequena considerando as riquezas do país", avalia.
Os números referentes ao custo do combate à pobreza animam a cúpula governista, que já investe cerca de 21% dos mais de R$ 3 trilhões do Produto Interno Bruto (PIB) na área social. Dessa forma, mesmo utilizando os critérios que englobam mais brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, o investimento de R$ 20 bilhões representa 1% das riquezas do país.
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