segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

R$ 108, a linha da pobreza

A presidente eleita, Dilma Rousseff, deverá estabelecer linhas oficiais de pobreza e de indigência no País para monitorar as políticas sociais do governo e medir a melhoria das condições de vida da população. O valor ainda não foi estabelecido, mas existe a possibilidade de o novo governo fixar em R$ 108 a renda familiar por pessoa como linha de pobreza.

A sugestão desse valor é do economista e coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, Marcelo Neri, que apresentou um seminário sobre políticas sociais para a equipe de transição do futuro governo em meados de novembro, com a ministra do Desenvolvimento Social, Márcia Lopes, e o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ricardo Paes e Barros.

SOFISTICAÇÃO

De acordo com Neri, Dilma - que prometeu em seu discurso de vitória erradicar a miséria e criar "oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras"- quer "sofisticar a tecnologia social" e suplantar os ganhos do governo Lula, que considera uma "herança bendita", porque diminuiu a pobreza em 45%. A ideia, segundo o economista, é que a meta de erradicar a miséria seja tratada como a meta de inflação. "Se tem uma meta de erradicar a pobreza é preciso saber qual o critério. Do mesmo modo que há uma meta de inflação, que escolheu o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como medida", comparou. Para Marcio Pochmann, presidente do Ipea, o Brasil está na direção correta, mas é preciso uma sofisticação nas políticas. "Por isso, se pensa ser necessário estabelecer uma linha administrativa da pobreza extrema", disse.

ESCOLHA TÉCNICA

O Ipea está fornecendo dados e análises para a definição dessas políticas e para fixar as linhas de miséria e de pobreza. Pochmann não quis adiantar os valores, mas assinalou que não é apenas uma "decisão monetária" ou "administrativa e política", mas também uma escolha "técnica com base na realidade".

Marcelo Neri sugere que a verificação da renda das famílias seja mais criteriosa e não se baseie apenas na informação da renda reportada, mas também em dados sobre todos "ativos" das pessoas do domicílio (tipo de trabalho, condições de moradia, acesso a serviços públicos, como saúde e educação) e "carências" (crianças lactantes, pessoas com deficiência e idosos na família). "Assim vai se olhar para quem é pobre e não apenas para quem está pobre ou diz que é pobre", ponderou.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de três brasileiros a cada grupo de dez não vivem com segurança alimentar (refeições necessárias e ingestão suficiente de nutrientes) e 11,2 milhões de pessoas ainda passam fome.

Tema ainda polêmico

Não existe unanimidade sobre as formas de cálculo e os critérios para definição das linhas de pobreza e de indigência. Os atuais programas sociais dos governos Federal, estaduais e municipais usam valores diferentes. Para elaboração do Plano Plurianual (PPA), o critério tem sido a proporção de pessoas que têm rendimento familiar per capita de até meio salário-mínimo (linha de pobreza) e de até um quarto de salário mínimo (linha de miséria).

Também não há fórmula internacional consagrada. O Banco Mundial, por exemplo, utiliza a faixa de US$ 1 dólar por dia por pessoa como linha de indigência e de US$ 2 dólares por dia por pessoa como linha de pobreza.

Já a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) utiliza dados sobre os custos da cesta básica por área geográfica. "Se va-mos erradicar a miséria, temos que ser capazes de medir a miséria. Tem que ter uma linha de pobreza e uma linha de miséria, o que não tem consenso", diz o economista Ricardo Paes e Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

"Sem chegar no acordo de qual linha a gente está falando vai ser difícil saber se cumpriu ou não o objetivo", alerta, reconhecendo que "a pobreza está despencando no Brasil para todas linhas de medição".

SEM REFERÊNCIA

O economista Marcelo Neri propôs durante seminário para a equipe de transição do futuro governo que a presidenta eleita Dilma Rousseff adote a linha de pobreza de R$ 108 por pessoa da família. Segundo ele, a referência ao salário-mínimo não deve ser utilizada porque há diferenças no valor real com o passar do tempo. O poder aquisitivo de um quarto de salário-mínimo hoje é maior do que no começo da década, explica.

Por trás da escolha da régua de medição da pobreza está a discussão de quanto do orçamento público federal será necessário para extinguir a miséria, como promete Dilma. "Se passar de um quarto de salário mínimo para um salário-mínimo, o custo do programa de erradicação sobe mais do que proporcionalmente a linha de pobreza.

A linha é multiplicada por quatro e o custo do programa de erradicação sobe 22,5 vezes", calculou Neri. Com a linha de pobreza em R$ 108, o custo será de R$ 21 bilhões por ano, estima o economista Marcelo Neri.

SAIBA +

Principal programa social do Governo Federal, o Bolsa Família terá de ser modificado e ampliado se a presidenta eleita Dilma Rousseff quiser cumprir a promessa de erradicar a miséria. O Bolsa Família atingiu um quarto da população com custo de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB).

O O governo estima que existam ainda 3 milhões de pessoas a serem incluídas no Bolsa Família.

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