segunda-feira, 5 de julho de 2010

O senador das princesas varre periferia de SP

Selly Martinez ajeita a coroa na cabeça e faz pose. Com os dedos das duas mãos imita o desenho de um coração. Aproxima o corpo à imagem do seu ídolo, olha para a câmera e abre um sorriso. Num piscar de olhos, sai impressa a foto: ela ao lado de Netinho de Paula. O artista não está ali. Trata-se de uma montagem. Mesmo assim, 600 fãs fizeram fila para ter um retrato igual a esse no dia em que o PCdoB referendou a candidatura do cantor de pagode a uma vaga do Senado.

O artista em carne e osso compareceria à convenção na tarde daquele sábado. Mas, como seria impossível atender a todos os fãs que sonhavam com um retrato ao lado do ídolo, a solução encontrada pelo PCdoB foi a máquina da Funclick, empresa especializada em serviços de foto-lembrança. Havia três opções de moldura: duas ao lado de Netinho e uma entre Netinho e Aloizio Mercadante. O fã clube mostrou ampla preferência pela foto ao lado apenas do cantor de pagode.

Para levar o retrato para casa o eleitor tinha que deixar endereço de email e número de telefone celular. Além da cópia em papel, recebeu a imagem também por internet. Mas quem mais ganhou foi o PCdoB, que, em poucos instantes, montou um banco de dados de eleitores não apenas para o astro do dia como também para os candidatos a deputado. Em apenas 50 minutos 110 pessoas foram registradas.

Selly Martinez foi à convenção numa caravana de mulheres de Diadema (SP) - todas com coroa na cabeça, numa alusão ao quadro "Dia de princesa", que se tornou famoso no programa de auditório comandado por Netinho em duas emissoras de televisão.

A legião de fãs de Netinho de Paula idealiza eleger um senador com poderes de estender a toda a população carente as graças que os escolhidos para participar de seus programas já receberam.

Tereza Canas, na fila do retrato-lembrança durante a convenção, diz que gostaria que o candidato ao Senado arrumasse uma casa para a amiga dela, manicure, que acaba de fazer cirurgia na coluna.

"Não tenho a intenção de mistificar nada. O que eu fui na televisão e como músico eu tenho agora que ser como político", diz o candidato. "A TV limita as ações. Me constrangia muito só poder gravar com uma princesa em cada programa. Quando entrava com ela na limusine via que milhares de meninas tinham ficado para trás". Segundo diz, foi isso que o conduziu à política: "Somente a política é capaz de tratar da população em escala."

A estreia do cantor na política foi nas últimas eleições municipais. Com 84.406 votos, Netinho de Paula foi o primeiro mais votado da coligação PT / PCdoB / PSB / PRB e o terceiro na lista de todos os mais de mil candidatos.

Já naquela ocasião uma pesquisa feita pelo PCdoB forneceu dicas a respeito da forma como a população de baixa renda projeta o artista na política. A maior parte dos votos conquistados por Netinho foi de mulheres jovens (até 24 anos), da classe C, com o 2º grau (completo ou incompleto). Vale lembrar que no quadro "Dia de Princesa" só podiam participar moças com até 25 anos. Regiões Sul e Leste do município, onde moram as classes mais baixas, concentraram 55 mil dos 84,4 mil votos que o elegeram vereador.

O dia de princesa foi inventado pelo próprio Netinho: "Era um sonho de infância". "Imagina se um dia eu estivesse lá na Cohab e passasse um carro que me levasse para um shopping! Só de pensar passo mal. A gente era muito pobre demais!"

Aos 19 anos, casada e com um filho de 1 ano e 4 meses, a princesa Fernanda mora na casa do sogro e diz ser muito mal tratada lá. São histórias assim que chegavam à produção do "Show da gente", transmitido pelo SBT nas tardes de sábado até o início do ano. Elenice - 21 anos e duas filhas - escreveu carta contando que o marido está preso. E desde então falta tudo às meninas. Ela tem casa, mas faltou terminar o banheiro.

Num dos programas, James, motorista da limusine, conduz Netinho até a casa de Elenice, que o recebe chorando e conta sua história triste. "O negrão chegou e vai te ajudar", diz o artista. Dali, ambos seguem para um shopping, onde a jovem toma o chamado "banho de loja" - promovido pelas marcas patrocinadoras - e vai ao cabeleireiro.

Antes de seguir para o estúdio da emissora, a bordo de um helicóptero, a dupla ainda passa pelo cemitério onde o pai de Elenice - uma referência para ela - está enterrado e deixa uma coroa de flores. Ao final do dia de mimos, a princesa recebe ajuda financeira para poder concluir a construção do banheiro.

"Eu tenho orgulho de levar essa alegria e apresentar um mundo diferente que a sociedade ignora", diz Netinho. O contrato com o SBT terminou, mas o apresentador espera retomar o comando de um programa no mesmo formato, mesmo se eleito senador. "As gravações ocupariam apenas dois dias da semana", explica.

A estratégia de campanha planejada por Netinho é aproximar-se do "povo do gueto", conta, numa alusão ao seriado "Turma do gueto", escrito por ele e exibido durante dois anos pela Rede Record. "Não será uma campanha milionária porque meus amigos não são grandes doadores".

Prestes a completar 40 anos, no dia 11, Netinho de Paula, afirma vislumbrar na eleição uma oportunidade de a juventude chegar ao Senado, de a Casa ser renovada. "Acho que também serei o primeiro negro a disputar uma vaga no Senado por São Paulo", afirma.

Dos seis projetos que ele apresentou até agora como vereador, somente um foi aprovado. Trata-se do que institui a frente parlamentar em defesa da educação integral nas escolas do município. Seguem em tramitação o que propõe cursos pré-vestibulares a estudantes de baixa renda, o que defende como dever do município a educação de crianças de zero a seis anos em período integral, o que determina que as quadras poliesportivas situadas em equipamentos municipais sejam cobertas e o que cria a comissão extraordinária de comemoração do centenário de nascimento de Adoniran Barbosa. O projeto de lei 595/09, que fixa parâmetros para a criação de centros de referência da juventude chegou a ser aprovado na Câmara, mas vetado pelo prefeito.

José de Paula Neto nasceu no bairro de Santo Amaro e foi criado em Carapicuíba, na Grande São Paulo, em um apartamento do conjunto habitacional popular Cohab. Começou a trabalhar aos sete anos, vendendo doces numa estação de trem. A mãe, dona Romilda, morreu, quando ele tinha 11 anos. Depois disso, o garoto foi trabalhar numa gráfica, com o pai. A família deixou, depois, a Cohab. Mas Netinho voltou, para morar no mesmo apartamento da infância, ao casar-se, aos 16 anos.

Foi nessa época que o grupo Negritude Junior surgiu. Os amigos da Cohab se encontravam para batucar instrumentos. "A gente gostava de ir atrás das fanfarras das escolas", conta. Netinho tornou-se o vocalista do grupo, mas em 2001 decidiu partir para uma carreira solo. Nas suas contas, gravou pelo menos seis CDs com o Negritude e mais cinco sozinho, num total próximo de 4 milhões de cópias.

O candidato da periferia também ajudou a fundar a ONG Casa da gente, em Carapicuiba, que atende 700 crianças, com complemento escolar, aulas de música e cursos profissionalizantes, além de suporte às famílias. Os recursos saem dos shows e colaboradores.

Embora a maior parte das suas músicas fale de romance e amor, o candidato ao Senado cita algumas que, segundo ele, criam "uma identidade com a questão social". Caso de "Cohab City": " Tô chegando na Cohab/Pra curtir minha galera/Dar um abraço nos amigos/E um beijinho em minha cinderela."

"O Senado tem sido uma Casa muito distante do povo", afirma. Se eleito, o candidato escolheu como prioridade defender investimentos voltados para o ensino público em período integral e também profissionalizante, "permitindo a capacitação e inclusão dos menos favorecidos no mercado de trabalho em igualdade de condições". Ele também pretende trabalhar pela moradia popular, saúde e cultura e combater a discriminação "em todas as suas formas, incluindo a discussão das cotas raciais".

No dia da convenção que oficializou o lançamento da chapa ao Senado, com a ex-prefeita Marta Suplicy e Netinho de Paula, e também o apoio do PC do B à candidatura do senador Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo, a militância mal conseguia se acomodar. Um telão foi instalado no hall da universidade Uninove para quem não teve a chance de entrar no auditório.

Se nos tempos de apresentador as tardes de sábado representavam o momento de o cantor aparecer na televisão, o sábado da convenção trouxe muito mais. No mesmo dia foi publicada uma pesquisa do Ipespe para o "Diário de São Paulo", indicando Netinho no segundo lugar das intenções de voto dos paulistas ao Senado, ao lado do ex-governador Orestes Quércia (PMDB). Ambos apareceram com 17% , na frente do senador Romeu Tuma (PTB), com 16% e logo depois da ex-prefeita Marta Suplicy (PT), primeira colocada com 38%.

Netinho ficou bem à frente de diversos outros candidatos: o vereador Gabriel Chalita (PSB), que ainda não assumiu oficialmente a candidatura, com 9% das intenções de voto, a ex-vereadora Soninha Francine (PPS), que aguarda uma consulta do PPS ao Tribunal Superior Eleitoral, com 8%, o ex-ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), com 6%, e o empresário Ricardo Young (PV), que foi citado por 1% dos eleitores.

Netinho diz que sente orgulho por estar na coligação da "turma que colocou o Brasil no eixo". Estima que tem muito a aprender e também a contribuir. Numa recente entrevista para o site do PCdoB, o artista disse acreditar que é capaz de "aproximar Dilma de uma parcela da sociedade que não está a fim de discutir política, que não tem confiança nos políticos. Esse público da periferia que não entende o recado dos políticos, que só recebe da mídia os escândalos".

Quando, durante a convenção na Uninove, os três candidatos - Netinho, Marta e Mercadante - apareceram no palco de mãos dadas e ergueram os braços, o público só gritou um nome: "Netinho! Netinho". Durante os discursos, Nádia Campeão, presidente do PCdoB paulista, implorou silêncio, quase em vão. As fãs continuavam eufóricas: "Netinho!"... "Lindo!"

A cada grito, o candidato mostrava o largo sorriso. Um jeito dócil que contrasta com as histórias de violência que já vieram a público. Em fevereiro de 2005 Netinho foi acusado de agredir com socos a mulher, Sandra Mendes de Figueiredo, após uma briga conjugal. Na ocasião, ele foi impedido pela Justiça de retornar à casa do casal. No final do mesmo ano, o cantor foi novamente acusado de dar um soco na orelha do humorista Rodrigo Scarpa de Castro, do programa Pânico na TV, durante um evento.Valor

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Nota do moderador: Comentários preconceituosos, racistas e homofóbicos, assim como manifestações de intolerância religiosa, xingamentos, ofensas entre leitores, contra o blogueiro e a publicação não serão reproduzidos. Não é permitido postar vídeos e links. Os textos devem ter relação com o tema do post. Não serão publicados textos escritos inteiramente em letras maiúsculas. Os comentários reproduzidos não refletem a linha editorial do blog