segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Dilma sempre foi política - diz Carlos Araújo

Afastado da vida pública há 15 anos, o ex-deputado estadual Carlos Araújo concedeu poucas entrevistas neste período. Aceitou romper o silêncio para o Jornal do Comércio, em uma conversa que passou por diversos temas, inclusive a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), com quem foi casado por 30 anos.

Araújo contesta o rótulo de “técnica” dado à pré-candidata indicada ao Planalto pelo presidente Lula (PT). “Ela sempre foi política. Por acaso vão prender na ditadura alguém que é técnico? A diferença é que ela fez política sem concorrer a cargo público. Mas sempre foi muito preparada”, sustenta.

Ele entende que a disputa nacional em 2010 está em aberto, já que a população “gostaria de votar em Lula”, que não é candidato. “Vivemos um impasse. Tudo vai depender da capacidade de transferência de votos do presidente”, analisa. Araújo fala, ainda, sobre a fragilidade dos partidos políticos, critica a pasteurização da imprensa e demonstra sua crença na abertura dos arquivos da ditadura.

Jornal do Comércio - Como o senhor projeta esta eleição sem a participação de Lula e com a candidatura de Dilma?

Carlos Araújo
- É possível transferir votos, mas a pergunta é até onde vai essa transferência. Por outro lado, o (governador de São Paulo) José Serra (PSDB) começou a disputa com 40% e está caindo, já está com 30%. Daqui a uns dias vai estar com 28%. Começam a pensar no Aécio Neves (PSDB). E se o Serra começar a cair muito e o Aécio não crescer, eles vêm de Fernando Henrique Cardoso de novo. E ele (FHC) é muito vaidoso, vai abraçar. Vivemos um impasse, a população não sabe o que fazer, porque o povo quer votar no Lula, mas ele não é candidato. Com essa força toda, será que ele transfere votos?

JC - O senhor acha que Dilma tem condições de ser presidente da República?

Araújo
- Ela estava no núcleo eleitoral, na primeira equipe de Lula, preparou-se para ser do governo...

JC - Ela ocupou diversos cargos, mas é uma técnica.

Araújo
- Ela não é técnica, nunca foi, foi semmpre política. Por acaso ela foi presa nos anos da ditadura porque era técnica? Vão prender uma técnica? Foi presa porque era política. Então, o Serra é um técnico porque foi ministro da Saúde.

JC - Mas ela nunca foi candidata em eleições.

Araújo
- Isso é outra coisa. Tem quem faça política sem ser candidato. Até porque eu (quando marido) era um empecilho para ela. Eu me candidatava e ela ficava colaborando. Mas tinha luz própria, sempre teve. Dilma não está aí por ser técnica, está por ser política. Desde o início, no Ministério de Minas e Energia. E entendia do tema.

JC - Tinha sido secretária de Minas e Energia no governo de Olívio Dutra (PT)...

Araújo
- Quando teve o apagão do FHC, Dilma era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. FHC designou Pedro Parente, chefe da Casa Civil, para formar um grupo de trabalho e resolver o apagão. A primeira coisa que ele fez foi convocar uma reunião com os secretários de todo o Brasil. Foi quando Dilma teve um arranca-rabo com Parente - ao vivo, na televisão. Ela discordando do que ele estava colocando. E o PT despertou para ela, Lula viu o debate e por causa disso se aproximou, começou a conversar sobre Minas e Energia com ela. E muito antes de assumir chamou-a a Brasília, para integrar o núcleo do governo. Depois tem o episódio do José Dirceu...

JC - Depois do mensalão, caíram os ministros mais próximos a Lula, como Antonio Palocci, José Dirceu, Luiz Gushiken, Márcio Thomas Bastos... E Lula se apegou a Dilma, promovida à chefe da Casa Civil.

Araújo
- Dilma é uma pessoa de personalidade forte, muito organizada. Ela vai para a Casa Civil para organizar o governo. É natural que houvesse problema no início, não tinham experiência... Ela foi um achado para eles. Tinha que organizar o negócio meio que “gritando mesmo”, botar ordem na casa. E foi o que ela fez, organizou.

JC - Lula se encantou com ela a ponto de lançá-la candidata antes de o PT....

Araújo
- No começo deste ano, Dilma deu uma palestra para os 500 principais empresários dos Estados Unidos, em Nova Iorque. Depois dessa palestra, ele disse: “Minha Dilma, depois dessa estás preparada para ser o que quiseres”. Dilma é extremamente preparada. E do maior nível cultural, discute qualquer assunto - artes plásticas, música clássica, teatro, literatura, uma pessoa de uma formação muito sólida.

JC - O eleitorado brasileiro está preparado para eleger uma mulher?

Araújo
- Está. A América Latina hoje é um fenômeno para essas mudanças. Há uma abertura. A questão é que Dilma ainda é desconhecida, agora está ficando conhecida. Quem vai ganhar a eleição, então? É uma interrogação. Serra vai ganhar a eleição? Não sei...

JC - Depois de 1994 o senhor não se candidatou mais? Por que se afastou da política?

Araújo
- Por causa de um enfisema pulmonar, que debilita muito. Para fazer política, como eu entendo que se deve fazer, é preciso muito esforço físico, tem que andar muito. Então, não quis fazer pela metade. No que eu puder ajudar, eu ajudo, reunir, conversar, discutir. Ainda converso com muitos políticos. Mas saí do PDT um pouco depois do Sereno (Chaise) e da Dilma. Tive divergências com o (Alceu) Collares e saí.

JC - E como analisa o quadro político hoje?

Araújo
- Nossos partidos são muito frágeis. Isso é uma característica não só do Brasil, mas de todos os países em desenvolvimento. Pelo nível de instrução, que hoje está melhor, tradicionalmente se aprendia de ouvido. Não é para menos que (Leonel) Brizola falava 2 horas e Fidel (Castro) até 14 horas. Se for ver o discurso de Fidel, ele repete o mesmo tema seis ou sete vezes, sempre em metáforas diferentes, como forma de educar as pessoas. Brizola também fazia isso, criava metáforas para ficar mais compreensível para as pessoas. Então, os partidos são estruturados por lideranças. O PT hoje é o Lula. Tentou fazer uma estrutura no começo, mas não tem grande diferença em relação aos outros. Os partidos acabam tendo uma liderança forte, que atrai muita gente, mas não tem base. Isso faz com que a estrutura política seja muito efêmera, superficial. Ela é mais eleitoral. Tem mais militância na época de eleição...

JC - E o PDT?

Araújo
- O PDT, sem Brizola, ficou órfão, perdeu o rumo e não reencontrou ainda. O PDT pode vir a cumprir um papel importante. Mas no Brasil, hoje, uma coisa é estar no governo e fazer alianças para poder governar, ter uma unidade nacional para dar uma arrancada...

JC - O PDT, por exemplo, defende candidatura própria, alianças com o PMDB e o PT, mas agora se cogita coligação com o DEM?.

Araújo -
É um carnaval político... Brizola (em 1986) queria uma aliança com o PDS, sob a  hegemonia do PDT. Ele achava que ganharia a eleição com apoio do PDS. Quebrei uma pauleira forte no partido. Mas a concepção dele era que sem eles não poderíamos ganhar a eleição. Na Assembleia, como deputado, sempre procurei reunir todos os partidos políticos para encaminhar propostas para o Rio Grande. Porque, aqui, nossa economia se baseia na atividade agrária, rural. É uma luta contra os juros, contra o preço que as multinacionais impõem aos insumos básicos, isso é uma luta que todos podem se engajar. Mas aqui no Sul o campo é muito conservador, muito mais por preconceito do que por necessidade real, do seu negócio.

JC - Em que aspecto é conservador ou preconceituoso?

Araújo
- É conservador no sentido de que, quando se fala em reforma agrária, “é coisa de comunista”. Tem um conservadorismo histórico que é injustificável. Tem base ideológica, só. Qual é o problema? Pode ser contra a reforma, mas estamos propondo em terras improdutivas, por que vão ser contra? O Rio Grande do Sul precisa ter uma grande aliança. Os poucos empresários prósperos, industriais aqui do Estado, hoje são abertos para alianças, para composições. Então o Rio Grande do Sul está precisando de uma aliança interna forte para nos reerguer. A nossa economia perdeu muito espaço em relação às demais.

JC - Por causa dos governos?

Araújo
- Os governos, políticas equivocadas, muita submissão ao poder central. Perdemos muita coisa aqui. O Rio Grande do Sul tem que se recuperar. E tem potencial para isso, agrário, industrial, tem uma classe média pujante, boas escolas de Ensino Superior e algumas de Ensino Médio. Claro que precisa muito mais. Mas o Rio Grande do Sul tem que reencontrar a sua vocação de ser linha de frente.

JC - Como o senhor avalia a gestão de Yeda Crusius (PSDB)?

Araújo
- Acho o governo de Yeda Crusius lastimável. Não acrescentou nada para o Rio Grande do Sul. Nem estou falando no aspecto da corrupção, independentemente disso. Que proposta esse governo trouxe?

JC - O governo salienta o equilíbrio das contas.

Araújo
- Mas é fictício. Faz o equilíbrio para não aumentar o déficit. Mas o déficit para trás continua. E qualquer coisinha tem déficit. E pedindo crédito para o exterior? Tem um pouco de realidade e um pouco de irrealidade. O Estado tem que ser Estado, tem que investir. Não precisa poupar dinheiro, déficit zero. Isso não interessa. O Estado tem é que, ajudar a população, proporcionar o desenvolvimento. O papel dele é de alavancador. Tem que financiar setores novos que estão se desenvolvendo, aprimorar Saúde, Educação. Isso é papel do Estado!

JC - Esse será o desafio do novo governador?

Araújo
- Sim. Vai ser um desafio muito grande. Tomara que o Brasil esteja com esse crescimento de 5% previsto. Se ocorrer isso já nos dá um certo embalo. E a unidade do Rio Grande. Ver o que é viável e fazer. Não é se reunir fechado na Fiergs ou na Federasul e fazer um programa. Ou se fechar na CUT e fazer um programa. Vamos sentar, fazer um programa viável para o Rio Grande do Sul, melhorar o salário da população, colocar mais empresas aqui, ter maior desenvolvimento industrial, de serviços, de informática...

JC - Como o senhor avalia a cobertura da imprensa?

Araújo
- A grande imprensa,  os grandes grupos, é um pavor. Compro jornais de todo o Brasil diariamente. A manchete é a mesma. As matérias são as mesmas. Já estou convencido de que tem uma central: “Vamos privilegiar isso, privilegiar aquilo...” Outro dia, quando o (Barack) Obama (presidente dos Estados Unidos) anunciou a saída de 30 mil soldados no Afeganistão, a manchete era assim: “em dois anos, soldados americanos serão retirados do Afeganistão”. O cara está mandando 30 mil e todos imformam que vão sair daqui a dois anos.

JC - O mesmo enfoque?

Araújo
- O mesmo enfoque. Então, a mídia brasileira, como a média da mídia latino-americana, está pedindo para levar. O que a Folha (de S.Paulo) fez com o Lula agora, publicando o artigo do Cesar Benjamin, é inqualificável. Em qualquer país do mundo, haveria uma sanção forte contra a Folha.

JC - O senhor está falando do artigo em que ele diz que Lula tentou estuprar um rapaz na prisão?

Araújo
- Isso é uma safadeza. E publica de novo, teve repeteco, outro artigo do Benjamin. Não fala nisso de novo, pede desculpa, mas publicou para alimentar. O que acontece? É insensível. Pega uma mídia americana, que também não é grande coisa: mas na eleição, os jornais assumem um candidato abertamente.

JC - E aqui?

Araújo
- Aqui apoiam e não assumem. É uma hipocrisia. E apesar disso, a mídia tem sido constantemente derrotada nas eleições. Basta analisar: quem a Rede Globo apoia, perde.

JC - E a importância da imprensa para a democracia brasileira?

Araújo
- Falta imprensa. Quanto mais jornais diferentes, com outro porte, melhor. Mais possibilidades, ângulos diferentes. Tomara que surjam mais.

JC - Falta diversidade?

Araújo
- Mesmo com todas as restrições que possa ter a Record e as televisões menores, elas estão exercendo um papel. No Brasil, a grande imprensa, principalmente televisão e jornal, está se expondo e se desqualificando. E como que não conseguem ganhar a eleição? Era para não perder nenhuma.

JC - O Brasil está preparado para a abertura dos arquivos da ditadura?

Araújo
- Acho que está. Ainda não houve a abertura por causa de injunções que eu não saberia dizer, não estou no governo. Tenho impressão de que vai ocorrer logo logo. É inevitável. O Ministério Público agora está acionando alguns agentes...

JC - Paulo Maluf e Romeu Tuma.

Araújo
- Fui preso do Romeu Tuma. E hoje “ele é um líder democrata”. Era diretor do Dops. Parece que não existiu isso aí (ditadura), parece que foi uma fantasia. Acho que tem que abrir tudo (os arquivos). Para que esconder? Ah, mas e os erros que a esquerda cometeu na época. Não tem que esconder, bota na mesa. Bota tudo: “isso foi assim e assim, essa é a realidade”. O trabalho contra a ditadura foi uma coisa generosa, desprendida, me orgulho de ter feito parte, mas politicamente foi equivocado. A gente achava que era certo. Ninguém nos acompanhou, foi uma coisa muito restrita. Essa caminhada pela abertura é inevitável. A Argentina está mais a frente, o Chile também.

JC - Já avançaram...

Araújo
- E as esperanças do mundo inteiro, o mundo progressista, estão na América Latina. Ainda mais pela liderança que Lula exerce. E a política internacional correta que ele está fazendo. Então, as esperanças estão voltadas para cá porque aqui estão acontecendo coisas: um índio, um bispo, um operário, uma mulher no poder... São coisas revolucionárias, muito importantes.

Perfil

Carlos Franklin Paixão Araújo, 71 anos, é natural de São Francisco de Paula. Aos 14 anos, ingressou na Juventude do Partido Comunista Brasileiro - na época, clandestino. Sua trajetória é marcada por inúmeras prisões - as primeiras quando pichava os muros de Porto Alegre com os dizeres O Petróleo é Nosso. Seguiu no partido até 1957. Depois, participou de diversos grupos de esquerda, inclusive fora do Estado. Retornou a Porto Alegre na época da Legalidade, em 1961, quando teve mais contato com Leonel Brizola. Formou-se em Direito pela Ufrgs. Organizou movimentos sindicais, campesinos e operários durante a ditadura militar. Uniu-se a grupos armados do centro do País, sendo um dos dirigentes da VAR Palmares. Ficou preso de 1970 a 1974. Na guerrilha, conheceu sua segunda mulher, a hoje ministra Dilma Rousseff (PT), com quem foi casado por 30 anos (1969-99). Depois dos anos duros, voltou à advocacia e uniu-se a Brizola no PDT. Elegeu-se deputado estadual em 1982, sendo reeleito por mais duas legislaturas. Concorreu à prefeitura de Porto Alegre em 1988 e 1992. Deixou a vida pública em 1995, em razão de um enfisema pulmonar. E desfiliou-se do PDT no início dos anos 2000.

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